Machado de Assis e a Academia
Brasileira de Letras
A fundação da Academia Brasileira de Letras é, erroneamente,
atribuída a Machado de Assis. Não, amável leitor, ele não foi o fundador.
Digamos que possa (e deva) ser considerado seu “co-fundador”, embora a
instituição seja indissociavelmente vinculada ao seu nome. Explico. A idéia de
se criar uma entidade para difundir e cultuar a cultura nacional, sobretudo
nossa Literatura, partiu de Medeiros e Albuquerque, Lúcio de Mendonça e de um
grupo de intelectuais – na maioria, jornalistas e escritores – vinculados à
“Revista Brasileira” – a terceira dessa publicação, já que houve duas outras
que tiveram idêntico nome. Refiro-me à da chamada “Fase José Veríssimo”, por
ter sido comandada por esse ilustre e polêmico crítico literário. O projeto
original, afinal concretizado (posto que com “cores locais”), era o de criar
uma entidade nos moldes da Academia Francesa.
E onde entra Machado de Assis nessa história? Bem,
ressalte-se que ele era amigo desses intelectuais que tiveram essa idéia, tida
por muitos como utópica e irrealizável e fadada ao fracasso. E, embora em
princípio fazendo algumas objeções, não tardou em ser convencido. Depois disso...
tornou-se entusiasta da iniciativa. Passou a apoiar, sem mais reservas ou
restrições (com inusitado vigor) a criação da Academia Brasileira de Letras.
Entendia que sua existência viria concretizar sua intensa luta pessoal pela
valorização da literatura nacional, tão desvalorizada na ocasião (os livros
mais vendidos na época, a exemplo do que ocorre ainda hoje, eram de autores
estrangeiros, traduzidos ou não, em detrimento da produção nacional). Tornou-se
defensor tão ferrenho da idéia que, quando se cogitou de quem deveria ser seu
primeiro presidente, houve unanimidade em torno do seu nome.
O crítico literário, e professor da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Gustavo Bernardo, escreveu a respeito: "Quando se fala que
Machado fundou a Academia, no fundo o que se quer dizer é que Machado pensava
na Academia. Os escritores a fundaram e precisaram de um presidente em torno do
qual não houvesse discussão". E o “Bruxo do Cosme Velho” não encontrou a
mínima resistência ou oposição entre seus novos pares. Já era tido e havido,
quase que consensualmente, como a glória nacional das letras. Era considerado,
até mesmo pelos mais ferrenhos inimigos (declarados ou dissimulados) como o
mais completo escritor brasileiro. Isso não havia como negar, não é mesmo? E,
em 28 de janeiro de 1897, Machado de Assis, eleito por aclamação sem nenhum
voto contrário, em branco ou abstenção, presidiu a reunião inaugural da nova
instituição, que sobreviveu ao tempo e a obstáculos de todos os tipos e
tamanhos.
Como todo empreendimento novo, a Academia, em seus anos
iniciais, teve que superar toda a sorte de problemas, desde os financeiros, aos
de estabelecimento de normas e princípios que a regessem. Ademais, cabia ao seu
primeiro condutor uma das tarefas mais ingratas quando se trata de comandar
intelectuais: a administração de vaidades. Estas, convenhamos, não faltam aos
escritores (claro que não somente a eles). Pelo contrário: abundam. E entre os
primeiros acadêmicos, compreensivelmente, abundavam. Machado de Assis, todavia,
comandou esse processo com sabedoria e com paciência. Com muita paciência!!! Caberia aqui até um bastante
enfático superlativo.
Fazia sugestões, mas não impunha, a ferro e fogo, coisa
alguma. Concordava com idéias pertinentes e criativas, mas era diplomático em
relação às inadequadas, muitas das quais esdrúxulas. Nesses casos, insinuava,
ponderava, levava a questão a debate em plenário e... democraticamente acatava
a opinião da maioria, mesmo quando contrária à sua. A presidência de Machado de
Assis durou dez longos e produtivos anos, em que a Academia só cresceu em
prestígio e credibilidade, consolidando-se e prosperando, contra tudo e contra
todos. Claro que enfrentou ferrenha oposição dos que não lograram acesso a ela.
Isso ocorre ainda hoje. Esse comportamento enquadra-se no significado da fábula
“A raposa e as uvas”. Ademais, seu então presidente jamais deixou que problemas
pessoais (inúmeros e graves) interferissem na gestão da entidade.
Mesmo após a morte de sua amada esposa, Carolina, em 1904,
manteve a serenidade no comando de seus pares. Seus problemas de saúde
igualmente não afetaram seu tirocínio administrativo e nenhuma de suas
decisões. Para o leitor ter uma idéia, sobretudo da questão da assiduidade
(grande obstáculo das várias academias de letras hoje existentes), basta dizer
que, nos dez anos em que comandou a Academia Brasileira de Letras, das 96
sessões então realizadas, Machado faltou somente a duas. Não tenho certeza, mas
me parece que as duas em que esteve ausente foram as da época da morte da
esposa. Por tudo isso, é justo, pois, considerá-lo como o legítimo fundador da
entidade, embora historicamente isso não seja correto. E, mais justo ainda, é o
título dado à Academia Brasileira de Letras, quando de sua morte, em 1908, de
“A Casa de Machado de Assis”. Ela o é, de fato e de direito.
Em seu discurso inaugural, naquele já tão longínquo 28 de
janeiro de 1897, nosso maior escritor aconselhou aos presentes: "Passai
aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os
transmitam também aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e
brilhantes páginas da nossa vida brasileira". E foi isso, creio, que os
vários acadêmicos que ocuparam suas 42 cadeiras, e é o que os que hoje lá
estão, fizeram e fazem, para a preservação da Literatura e, por extensão, da
cultura brasileira. Admitam ou não, a eleição pára a ABL sempre foi, e continua
sendo, se não ambição concreta, pelo menos sonho, mesmo que remoto, de nossos
melhores escritores. Por absurdo que pareça, o meu, pelo menos, sempre foi e
sempre será (pensem de mim o que quiserem).
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Excesso de sinceridade, ainda que pareça de vaidade.
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