Fatos ou lendas sobre Machado de Assis?
As biografias de personalidades (quando várias delas são
escritas), tendem a divergir umas das outras, embora tratando dos mesmíssimos
personagens. Determinados fatos, ou versões, enfatizados por um biógrafo, por exemplo,
são minimizados, quando não desmentidos, por outros. E vai por aí afora. O
estudioso da vida dos enfocados fica atônito, sem saber quem está com a razão e
em quem acreditar. Quanto do que se escreve sobre essas personalidades é fato e
quanto é lenda? É impossível de se saber. Nesses casos, cada pesquisador fica
com as versões de sua preferência, as que mais lhe agradem, quase sempre,
porém, com as que lhe pareçam mais verossímeis.
Como seria de se esperar, essas divergências também ocorrem
em relação às várias biografias de Machado de Assis, que talvez ascendam aos
milhares nos últimos cem anos. Reuni algumas, relativamente poucas diante da
quantidade de versões existentes, mais mesmo a título de exemplos. Um desses
casos é o da cachorra de estimação que o escritor e sua esposa Carolina tinham
em casa. Destaque-se que não se tratava de um animal qualquer, de um “plebeu”
vira-lata, mas de um espécime “nobre”, raro no Rio de Janeiro do século XIX (e
também ainda hoje) da raça Tenerife, também conhecida como “Bichon Frisé”.
Conta-se que a posse desse bichinho de vasta e linda pelagem foi, durante
séculos, prerrogativa da nobreza francesa, notadamente do rei Henrique III,
sabidamente adorador de cães de pequeno porte. O tal “cordão dos puxa-sacos”,
da nobreza européia, não tardou a imitar o truculento monarca. Adotou, também,
cachorros da raça Tenerife (ou “Bichon Frisé)..
Que Machado de Assis e Carolina tinham uma cadela dessas –
cujo tamanho e jeito lembram, ligeiramente, o “Poodle Toy”, o que me fez recordar
com saudade do meu “amigão” Nick, que morreu no ano retrasado e sobre o qual
escrevi bastante – não é nenhuma invenção. Tinham, de fato. Seu nome era
Graziela e era tratada como uma filha, que o casal nunca teve. O que me soa
como “lenda”, porém, é a suposta fuga desse animalzinho da casa. Os ilustres
proprietários, como seria de se esperar, teriam se desesperado com a inesperada
perda da sua “mascote”. Teriam se passado dias, semanas e até mais de um mês
até que Graziela fosse, enfim, localizada. A preciosa cadelinha teria sido
encontrada a dezenas de quarteirões de distância da casa de Machado de Assis,
perambulando pela Rua Bento Lisboa, no Catete. Os que relataram esse suposto
fato não explicaram quem, e nem como o animal foi encontrado e muito menos como
fora parar lá. Enfim...
Outro episódio que gera controvérsias é o que se refere à
origem do apelido “Bruxo do Cosme Velho”, dado ao nosso maior escritor, de que
tratei em texto anterior. Uma das versões (na qual acredito) atribui esse
epíteto a um famoso poema de Carlos Drummond de Andrade. Este era o título da
homenagem prestada pelo poeta de Itabira ao autor de “Dom Casmurro”, inserida
em seu livro “A vida passada a limpo”, de 1959. Todavia, de acordo com a
Doutora em Literatura Brasileira, Deise Freitas, o apelido surgiu no próprio
bairro onde Machado de Assis residia, no Cosme Velho, entre os vizinhos do
escritor.
Este tinha o hábito de queimar cartas, documentos e
anotações que julgava que não iria mais precisar, no jardim de sua casa. Até
aí, nada demais. Acontece que fazia essa incineração em um caldeirão velho,
para não espalhar cinzas pelo quintal. Como se tratava de pessoa reservada,
taciturna e um tanto misteriosa, as pessoas teriam passado a chamá-lo de
“bruxo”. Quem o chamava assim (pelo menos no início), conforme a versão, seriam
só os moradores das redondezas da sua moradia. Não teria tardado, porém, para que a designação se espalhasse,
na mesma proporção da sua fama. Faz sentido. Mas vocês não acham um tanto
“romântica” essa versão? Pelo menos não me parece tão verossímil assim.
Querem outro caso que causa divergências? Cito o da suposta
traição conjugal de Machado de Assis, sobre o qual também comentei em texto anterior.
Quando seus amigos, certa vez, desconfiaram que ele estivesse, digamos,
“pulando a cerca”, teriam resolvido segui-lo. E o que descobriram? Que Machado
iria, todas as tardes, “namorar” a moça do quadro “A Dama do Livro”, de Roberto
Fontana. Ao saberem que o escritor não tinha dinheiro para adquirir a tela, a
teriam dado de presente a ele, que teria ficado sumamente feliz. Não lhes
parece um tanto inverossímil? A mim parece. Enfim... Vá se saber!!
Mas há muitas outras versões divergentes entre os biógrafos.
Conta-se, por exemplo, que disfarçando sua gagueira, certa vez lhe notaram a
dificuldade com que se expressava por conta das mordeduras que dava na língua.
Indagado a propósito, o escritor teria retrucado, um tanto constrangido: "Estas
aftas, estas aftas..." Bem, considero este episódio possível, embora não
esteja certo de que seja provável. Pode ser que sim, pode ser que não! Que
Machado era gago, seus biógrafos são, praticamente, unânimes. Mas que
precisasse disfarçar a gagueira com os amigos... tenho lá minhas dúvidas.
Bem, paciente leitor, não quero chateá-lo mais com minha
lenga-lenga, por isso só transcrevo mais este caso, narrado pelo jornalista e
poeta Carlos de Laet: "Estava eu a conversar com alguém na Rua Gonçalves
Dias, quando de nós se acercou o Machado e dirigiu-me palavras em que não
percebi nexo. Encarei-o surpreso e achei-lhe desmudada a fisionomia. Sabendo
que de tempos em tempos o salteavam incômodos nervosos, despedi-me do outro
cavalheiro, dei o braço ao amigo enfermo, fi-lo tomar um cordial na mais
próxima farmácia e só o deixei no bonde das Laranjeiras, quando o vi de todo
restabelecido, a proibir-me que o acompanhasse até casa". Neste caso,
acredito sem pestanejar em Laet. Afinal, ele não iria querer ser desmascarado
pela posteridade contando uma mentira sobre pessoa que já era tão famosa na
ocasião.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Um episódio convulsivo pode ter sido exatamente assim, como narrado.
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