Mulheres
que não sentem prazer
* Por Mara Narciso
Quem
vê a sexualidade exacerbada, aparente e manifestada de forma abusiva em tantos
lugares pode achar difícil acreditar nos números mostrados por pesquisas atuais
sobre a satisfação sexual das mulheres. Estes apontam que 70% delas não sentem
orgasmo nas relações sexuais. Se há 60 anos a mulher casta e recatada era a
escolhida, hoje, alguma experiência anterior é desejada por parte dos homens.
Naquela época, entendia-se que a mulher não deveria ter iniciativa, expor seu
desejo sexual ou manifestar prazer. Atualmente vive-se uma situação oposta em
que há uma busca desenfreada do prazer pelo prazer, sem valorizar outros
aspectos do encontro entre duas pessoas. Ainda assim os números não mentem,
embora as mulheres mintam, escondendo a sua não realização no ato sexual.
Palavras
de Carmita Abdo, a maior estudiosa da sexualidade brasileira: “Um terço das
mulheres nunca atingiu o orgasmo por penetração nem por autoestimulação; um
terço alcança o orgasmo vaginal e o clitoridiano e um terço não consegue ter
orgasmo na vagina. Infelizmente, embora não se sintam satisfeitas ao término da
relação sexual, a maioria das que não atingem o orgasmo, nada revela aos seus
parceiros”.
Muitos
são os fatores que impedem a mulher de atingir o orgasmo, popularmente
conhecido como gozo. Apenas 5% dos casos se devem a problemas físicos, como
lesões ou infecções na área genital, vaginismo, que é a contração involuntária
do músculo vaginal que impede a penetração, a dispareunia, que é dor às relações,
entre outros. Assim, quase todas as mulheres possuem a instrumentação necessária
para se excitar, ter prazer e atingir o clímax sexual, que é descrito de várias
maneiras, não sendo de um tipo só, nem mesmo na mesma pessoa. Geralmente é
explicado, dizem pesquisadores, como um crescendo de satisfação, que vai se
ampliando até a ocorrência de um ápice, seguido por uma espécie de explosão, com
contrações vaginais, grande prazer, e depois relaxamento. No momento do gozo,
ocorre uma descarga de neurotransmissores cerebrais, que são os responsáveis
pelas sensações experimentadas.
A
reação exteriorizada naquele momento varia de gritos, choro, ou silêncio. As
maiores manifestações vocais não acontecem no momento principal, ocorrendo como
uma maneira de conduzir a relação, estimular o amor-próprio do parceiro, assim
como antecipar a ejaculação masculina, para dar fim ao ato sexual. Acabar logo
pode ser a vontade da mulher que não sente prazer, e que, com o tempo pode
passar a fugir do sexo. Ainda que insatisfeita, por vezes com intenso desejo, e
excitada, mas sem conseguir o clímax, quer preservar o relacionamento, e não
fala nada. Essa disparidade de intenções favorece um distanciamento ainda
maior, pois o outro passa a suspeitar de infidelidade, e que a mulher possa
estar direcionando seu afeto à outra pessoa.
Caso
o homem tenha disfunção erétil, conhecida como impotência, mesmo que parcial e
que possibilite a penetração, ou tenha ejaculação precoce, ou ainda que a
mulher sinta orgasmos com a manipulação do clitóris, não se configura a
anorgasmia, que é a situação de incapacidade de atingir o clímax. Há muitas
causas apontadas para esse bloqueio. Algumas mulheres não sentem desejo, como
se fossem assexuadas, um estágio mais grave da disfunção sexual feminina. A
educação repressora, sisuda, castradora, hoje cada vez mais rara, é apontada
como uma das causas, assim como questões morais e religiosas, nas quais o sexo
é coisa suja, e não um encontro entre duas pessoas, um instinto tão natural
como comer ou respirar.
Abusos
sexuais, experiência dolorosas ou desagradáveis na atividade sexual podem causar
bloqueios difíceis de serem vencidos, ainda que haja bons resultados com as
terapias comportamentais. A não obtenção de prazer faz a mulher irritadiça, e
tensa, sendo que chegar ao orgasmo tem efeito oposto. O sexo para o homem é
visual, para a mulher é tátil. No sexo, ele parece estar alguns minutos à
frente dela, que precisa de, em média, oito minutos para chegar lá, sendo
difícil antecipar. O homem está mais capacitado a esperar, mas sem conhecer o
problema, ou quando não tem interesse, nada fará. Outros são primitivos e
acreditam ter ótima performance, o que pode não ser verdade. O desconhecimento
da mulher quanto a si mesma, e dos homens quanto à sexualidade feminina,
completam o desacerto.
O
homem tem um ponto de prazer e a mulher tem dois, o clitóris e a vagina. Ambos
podem ser estimulados para a mulher atingir o clímax. Nenhum deles é superior
ao outro, mas pode ser mais difícil levar as sensações aprendidas no clitóris
para a vagina e seu famoso ponto G, um lugar no seu terço inferior, local mais sensível
e vascularizado. Há treinamentos para estimular esse despertar, que pode ser
iniciado com exercícios pélvicos de fortalecimento da musculatura do períneo.
Lembrar que “praticar sexo é uma escolha; ter prazer, uma possibilidade”. “Sexo
é entrega, orgasmo uma conquista” (site ABC da Saúde). A capacidade de ter
orgasmos aumenta ao longo da vida feminina.
O
cérebro é um grande órgão sexual, que na mulher atinge o seu grau máximo. Para
vencer os bloqueios, é preciso compreender que eles existem, e podem ser
transpostos, mas para isso é necessário que a mulher esteja disposta a treinar-se
para se permitir chegar aonde quer. Desobrigar-se de ter orgasmos, livrar-se do
direcionamento genital e conduzi-lo para a mente. Usando a imaginação, que dê a
si mesma o direito de se soltar, de se libertar das prisões, de esquecer-se das
dificuldades, de se sentir merecedora e apta. O orgasmo feminino é um
acontecimento que dura dez segundos, não deixa dúvidas de ter acontecido, e faz
da mulher uma criatura plena.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
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