Pensamento político de Machado de Assis
O advogado e “imortal” da Academia Brasileira de Letras,
Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça, publicou, em 17 de julho de 2007, no
tradicional jornal “Diário de Pernambuco”, esclarecedor artigo, intitulado
“Machado de Assis e a política”, em que apresenta (e comenta) algumas opiniões
e posturas do nosso maior escritor a propósito desse tema. E estas foram em
quantidade impressionante, não apenas em artigos e crônicas na imprensa, mas
também em romances e contos. Localizei esse bem fundamentado (e otimamente
redigido) texto no arquivo digital da ABL. Recomendo-o ao leitor que queira
mais (e abalizadas) informações a esse respeito.
Em determinado trecho, o ilustre articulista observa: “Não
se deixam de anotar muitas amostragens do interesse de Machado pela política,
não na militância das ruas, mas na consideração do seu papel catalisador”.
Interessava-se, pois, e muito, pelo assunto. E tratava-o nos seus mais variados
aspectos – quer factuais, com os
personagens e ocorrências do Parlamento do Império, quer doutrinários, no que
demonstrava surpreendente conhecimento de causa, levando em conta que nunca
frequentara nenhuma escola superior – e tanto nacional, quanto (e diria
principalmente) no complexíssimo cenário internacional. O fato de Machado não
ser, propriamente, militante político, não quer dizer que não tivesse sua
crença, sua ideologia, seu “projeto nacional”. Tinha-os e deixou-os claros!!
Era, por exemplo, liberal convicto, com idéias bastante
avançadas para o tempo em que viveu, todavia, sem jamais perder o senso crítico
que expressava, todavia, com elegância e graça, não raro com ironia, quando
cabível. Foi defensor da República, sem nunca esconder, porém, seu respeito e
estima pelo imperador Dom Pedro II. Todavia, embora fosse um dos assuntos de
que mais tratou, jornalística e literariamente, não se pode afirmar que a
política tenha sido, mesmo que remotamente, sua paixão. Tinha, por sinal, certa
repulsa por ela, notadamente por vários vícios e distorções dos políticos
brasileiros (principalmente a corrupção, comportamento vicioso que nunca deixou
de permear a vida brasileira). Mostrava-se, até, cético quanto á eficácia das
ações políticas, embora admitindo sua necessidade.
Marcos Vilaça lembra, citando, na sequência, o saudoso
crítico literário e historiador Brito Broca: “Brito Broca chama a atenção para
o fato de Brás Cubas ter sido deputado. E diz: ‘Se temos, pois, em Brás Cubas,
uma sublimação do secreto ideal político de Machado de Assis, teremos no
sentido satírico desse episódio o reverso do mesmo ideal. No discurso do herói,
Machado, segundo o seu método de compensação psicológica, destrói a possível
inveja que lhe causariam aqueles que subiam, um dia, os degraus da tribuna
parlamentar. O Brás Cubas da barretina reflete toda a descrença e toda a
malícia de um Machado de Assis deputado’".
E o articulista acrescenta, na sequência: “O desfile de perfis políticos está mesmo nas
crônicas de ‘A Semana’, entre elas o texto clássico ‘O Velho Senado’, mas há
nos romances políticos como Lobo Neves, supersticioso e fátuo; Camacho, cabo
eleitoral típico; Teófilo, ansioso por se tornar ministro; Brotero, o das
aventuras amorosas e não podemos esquecer o brasileiro Tristão, a
naturalizar-se português para se eleger deputado por lá. Também o deputado
Clodovil a viajar pela Europa. O entorno de amigos de Machado estava farto de
políticos: Alencar, Francisco Otaviano, Bocaiúva, Joaquim Serra e o maior
deles: Joaquim Nabuco”.
Pincei, um tanto quanto a esmo, na obra machadiana, algumas
opiniões dele sobre o tema. O escritor manifestou, por exemplo, inegável
simpatia pela classe trabalhadora (numa época em que pensar dessa forma era até
heresia, quando não subversão), ao escrever, na crônica “O espelho” (publicada
na “Gazeta de Notícias” em 11 de setembro de 1859: “Graças a Deus, se há alguma
coisa a esperar é das inteligências proletárias, das classes ínfimas; das
superiores, não”.
A respeito das liberdades dos cidadãos expressou, em outro
artigo: “Aqui vai agora como eu separo as liberdades teóricas das liberdades
práticas. A liberdade pode ser comparada às calças que usamos. Virtualmente
existe em cada corte de casimira um par de calças, se o compramos, as calças
são nossas. Mas é mister talhá-las, alinhavá-las, prová-las, cosê-las, e
passá-las a ferro, antes de se vestir. Ainda assim há tais que podem sair mais
estreitas do que a moda e a graça requerem. Daí esse paralelismo da liberdade
do voto e da limitação dos criados e das bestas. É a liberdade alinhavada. Não
se viola nenhum direito; trabalha-se na oficina. Prontas as calças, é só
vesti-las e ir passear”.
Ao expressar sua opinião sobre o então super-polêmico tema
do voto feminino, direito que seria facultado às mulheres brasileiras somente
em 1932, Machado de Assis aproveitou para fazer, até, certa graça
(perfeitamente cabível no caso). Escreveu, em “Histórias de 15 dias” (texto
publicado, pasmem, em 1º de abril de 1877): "Venha, venha o voto feminino;
eu o desejo, não somente porque é idéia de publicistas notáveis, mas porque é
um elemento estético nas eleições, onde não há estética".
Mas não foi só. Por exemplo, sobre a resistência que então
havia em relação às reformas (tema que permeia a vida política brasileira desde
a independência e que nunca saiu das manchetes da imprensa até os dias de hoje),
Machado de Assis explicou por que, no seu entender, isso ocorria (explicação
que cabe como uma luva na atualidade). Escreveu, na coluna “Notas semanais” do
jornal “Gazeta de Notícias”, na edição de 7 de julho de 1878: “Nenhuma reforma
se faz útil e definitiva sem padecer, primeiro, as resistências da tradição, a
coligação da rotina, da preguiça e da incapacidade. É o batismo das boas
idéias; é ao mesmo tempo seu purgatório”.
Opinou, ainda, a propósito de “soberania nacional”, tema
bastante em voga na sua época, em decorrência de vários e vários movimentes
separatistas que pipocavam, de Norte a Sul, pelo vasto território brasileiro.
Foi um “milagre”, convenhamos, o fato do País conservar sua coesão, sua unidade
territorial. E o perigo da desagregação, por sinal, persiste. Ainda hoje há
focos secessionistas, aqui e ali, mesmo que inexpressivos e até ridículos,
ditados, sobretudo, pelo preconceito social de determinadas esferas de nossa
ainda pífia e atrasada elite social. Machado de Assis escreveu a respeito na
coluna “História de quinze dias”, publicada na “Gazeta de Notícias” de 15 de
outubro de 1875: “A soberania nacional é a coisa mais bela do mundo, com a
condição de ser soberania e de ser nacional. Se não tiver essas duas coisas,
deixa de ser o que é para ser uma coisa semelhante aos Três Sultões, de
Wagner”. Essa referência é à ópera do mesmo nome do gênio alemão da música
clássica, cada qual entendendo o conceito de soberania de acordo com seus
interesses pessoais.
Finalmente, é oportuníssimo este alerta que Machado de Assis
fez, no romance “Quincas Borba”, aos políticos do seu tempo, que serve a
caráter para nossos governantes de hoje das várias esferas de poder e aos
parlamentares dos parlamentos municipais, estaduais e federais: "Ouça-me
este conselho: em política, não se perdoa nem se esquece nada". Ao que eu
aduziria: e não se pode e nem se deve perdoar ou esquecer jamais!!!!
Boa leitura.
O Editor.
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