Como
nasceu o “Estado Islâmico” e quais são seus objetivos
* Por Gilberto Abrão
No princípio, Deus
criou o petróleo sob as areias dos desertos. Até então, os beduínos da
Península Arábica eram felizes, alimentavam-se de tâmaras e leite de camela. Ninguém
os incomodava e eles não incomodavam ninguém.
Nem os turcos otomanos se interessavam por eles. Mas Deus queria vê-los
mais felizes e, então, criou o petróleo.
Em seguida, Deus criou
a extrema necessidade do petróleo nas nações ocidentais. E com isso
incutiu-lhes a ambição de se apoderar daquela riqueza. Foram pedir ajuda aos
árabes para derrotar os turcos otomanos na 1ª Guerra Mundial. Os árabes toparam
com a condição de que os ingleses e franceses, na época as duas superpotências
ocidentais, concordassem em que o Xarife de Meca, Rei do Hijaz, Hussein Bin Ali
(naquela época ainda não existia a Arábia Saudita) fosse proclamado o califa de
um vasto império muçulmano que iria do Hijaz até o Marrocos. Os ocidentais
(França e Inglaterra) concordaram e, então, os turcos, muçulmanos como os
árabes, foram derrotados em 1918.
Parece, entretanto,
que Deus não gostou do fato dos árabes traírem seus irmãos de fé, os turcos, e
resolveu castigá-los severamente. Acontece que os ocidentais estavam preocupados
com o fato de que se o petróleo ficasse nas mãos de um império gigantesco, como
seria o califado sonhado pelo xarife de Meca, a qualquer momento os árabes
poderiam cortar aquele liquido pastoso negro que alimentava a revolução
industrial que acontecia na Europa. Portanto, na surdina, o diplomata francês
François George Picot e o britânico Sir Mark Sykes, tramaram a traição aos
anseios do Rei do Hijaz e decidiram
dividir as províncias árabes que estavam sob o domínio dos otomanos entre si,
como zonas de influência. Esse acordo – conhecido internacionalmente como o
acordo Sykes-Picot – foi firmado em 1916, portanto dois anos antes do término
da guerra.
Paralelamente, para
maior castigo dos árabes, já no fim do século XIX, nascia um movimento na Europa
chamado de sionismo, que clamava por um lar nacional só para os judeus. Havia 3
opções. Dar aos judeus uma parte da atual Uganda, na África; Ou um pedaço da
Amazônia, no Brasil; Ou um pedaço da Patagônia, no sul da Argentina. Mas
acontece que os ingleses e franceses, como raposas políticas que são, começaram
a pensar no futuro. A preocupação era: e se surgir um líder nacionalista
carismático que possa reunir todos os árabes sob uma única causa e bandeira?
“Dividir os árabes em países tribais não basta!” pensaram eles. “Teremos que
criar uma vasta e poderosa base militar para sufocar qualquer movimento
nacionalista árabe que possa surgir!” Então, por que não dar a Palestina aos
judeus? É um território que divide os árabes da Ásia dos Árabes do Norte da África
e o país dos judeus deverá ser muito bem armado de forma que possa atacar
qualquer país árabe que levantar a crista. E então a ONU (ou melhor, o
Ocidente) criou Israel.
A essas alturas, os
americanos já tinham entrado no cenário mundial como a maior força bélica do
mundo. Adotaram Israel como a menina dos olhos e superbase americana para
proteger seus interesses (leia-se petróleo) no Oriente Médio.
Mas vocês hão de me
perguntar o que tudo isso tem a ver com o Estado Islâmico? Calma, já chegaremos
lá.
Vamos para o outro
lado da história. Aquele que era para ser o monarca do grande califado islâmico
que deveria abranger todo o Oriente Médio, o rei do Hijaz, Hussein Bin Ali, foi
exilado e morto em Amã, Jordânia. Enquanto isso, os Bani Saud, o clã dos Saud,
com o apoio do movimento religioso ultraortodoxo wahabita, partindo de Riadh,
conquistavam Nejed, Hijaz (Meca e Medina), Hassa, Al-Qatif e outras. Surgiu
daí, em 1932, a atual Arábia Saudita, que nada mais é do que um gigantesco
feudo da família Saud. O nome Saudita vem do clã Saud.
Convém esclarecer, em
poucas linhas, o que é o movimento wahabita ou a ideologia deles. Essa seita
foi fundada no século XVIII por um fanático chamado Mohammad Abdel Wahab, uma
espécie de Antonio Conselheiro das arábias, guardado o devido respeito pela
figura histórica brasileira. Na interpretação desvirtuada do islamismo, eis
alguns dos pensamentos wahabitas: a mulher tem que estar totalmente coberta
(trajando a burqa); para sair à rua tem que estar acompanhada por um homem da
família (marido, pai, irmão, filho, avô); ela não pode exercer nenhuma
profissão que atenda a homens. Por exemplo, se for médica, tem que medicar
somente a mulheres, se for professora tem que ensinar somente a meninas. E o
pior: o wahabismo considera os outros muçulmanos, mesmo os sunitas que não
seguem a filosofia deles, como hereges. Muçulmanos xiitas, alauítas, drusos,
etc., então nem se fala. São considerados apóstatas e idólatras e devem ser
mortos por decapitação e mais modernamente por tiro na nuca. Há outras
interpretações e rituais que diferem da maioria dos muçulmanos que não convém
citá-las aqui para não perder tempo.
Bem, é essa a seita à
qual o clã dos Saud deve a sua vitória e, consequentemente, obediência aos seus
clérigos.
Voltemos, pois, a
Israel. A entidade sionista jamais foi engolida pelo povo árabe, a despeito de
alguns governos árabes fazerem com ela acordos de paz. O mais feroz inimigo de
Israel é o eixo Irã-Siria-Hezbollah-Resistência Palestina. Israel já experimentou
o amargor de perdas significativas perante o Hezbollah e a Resistência
Palestina em Gaza. Atualmente, a maior ameaça à existência da entidade sionista
chama-se Hezbollah, cujo poderio de fogo pode atingir cidades inteiras por todo
o território da Palestina ocupada. Mas
de onde vem o armamento do Hezbollah e da Resistência Palestina? Vem do Irã.
Mas por onde? Pela Síria, cujo governo apoia por todos os meios a resistência
contra Israel.
Pois bem. Israel, os
americanos, os ingleses, os franceses, os turcos (que sonham em restaurar o
antigo Império Otomano) os sauditas e catarianos (que não desejam o domínio do
Irã na área) pensaram: “Precisamos proteger Israel!” De que forma? Cortando um
dos elos do eixo Irã-Siria-Hezbollah-Resistência Palestina. Então, o Mossad, a
CIA, o serviço secreto de Sua Majestade do Reino Unido, o serviço secreto
francês se reuniram e resolveram aproveitar a malfadada “Primavera Árabe”, que
mais tarde se revelou ser um rigoroso e mortal inverno, para derrubar o presidente
Bashar al Assad. Arregimentaram dezenas de milhares de criminosos nas favelas
do mundo muçulmano e também muçulmanos de países europeu para combater o regime
“apóstata” do alauíta Bashar al Assad. Qual era a compensação? Se o cara
sobrevivesse estaria rico com os milhares de dólares que lhe seriam pagos. Se
morresse, seria considerado um mártir e ascenderia direto ao Paraíso onde
setenta virgens o aguardariam, de acordo com a fátwa, (decreto) dos clérigos
wahabitas da Arábia Saudita e Catar. Tentaram, tentaram, tentaram, mas não
conseguiram derrubar o Bashar al Assad, pois o homem goza de uma popularidade elevada (80%) no seio do
seu povo. O que no início parecia ser uma revolta popular síria revelou-se,
mais tarde, ser nada mais do que o ajuntamento de dezenas de milhares de
terroristas vindos de 87 países diferentes, inclusive do Brasil, para fazer uma
guerra de desgaste contra a Síria, enfraquecer o seu exército e deixá-lo
inoperante numa presumível frente contra Israel. A esses terroristas foram dados
vários nomes: O Estado Islâmico do Iraque e Síria, Jabhat Al Nusra, Ahrar al
Sham, o Exército Livre da Síria, etc. Todos eles têm a mesma ideologia emanada
dos púlpitos wahabitas da Arábia Saudita e do Catar, que além da ideologia,
bancaram com petrodólares as armas usadas pelos terroristas. A logística para
beneficiar os movimentos dos terroristas foi e está sendo fornecida por Israel
e Estados Unidos. Aliás, Israel, não só alimenta os terroristas com dados
captados por seus satélites, como também dá cobertura aérea a eles. É por isso
que de vez em quando há um ataque da aviação israelense contra os soldados
sírios aqui e acolá. Além do mais, Israel já recebeu centenas de feridos dos
terroristas em seus hospitais, medicando-os, merecendo inclusive a “gentil”
visita de Benjamin Natanyahu e o ministro de Guerra de Israel, Moshe Yaalon.
E o papel dos turcos?
Barbada! É deixar entrar os terroristas pelas suas fronteiras para combater na
Síria e no Iraque.
Então quer dizer que o
Estado Islâmico e seus assemelhados não representam perigo para Israel?
Exatamente! Pelo contrário, o EI serviria como uma “buffer zone”, uma área de
mais ou menos sete quilômetros de largura a proteger Israel de um presumível
ataque do exército sírio por terra. No
ideário do EI e seus assemelhados não existe a libertação de Jerusalém do
domínio dos sionistas. Existe, sim, e com muita ênfase, a conquista de Meca e
Medina, pois um califado só terá validade religiosa se o seu califa tiver uma
das cidades santas como sua residência.
Êpa! Então o monstro
pode virar contra seu criador, ou melhor, contra seus criadores? Exatamente! E
é isso que os americanos, franceses, ingleses, sauditas, turcos, etc. estão
temendo. O EI está fugindo ao controle. Já degolou ingleses, americanos,
franceses, japoneses, árabes, kurdos, muçulmanos, cristãos, etc. A história de
Frankestein se repete. E para desgosto
de Israel, o EI está perdendo terreno nos combates frente ao exército sírio que
tem o auxílio do Hezbollah e conselheiros iranianos.
Acreditem, ainda
veremos os Estados Unidos e o Ocidente pedindo arrego, veladamente é claro, e
agradecendo à Siria, ao Hezbollah e aos iranianos por estarem combatendo o EI.
Só Israel vai ficar
apavorada. Agora os iranianos e o Hezbollah já estão no Golan.
* Jornalista
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