segunda-feira, 9 de março de 2015

À própria mercê


* Por Daniel Santos


Para onde vamos, sabemos. E, a rigor, não é esse o problema. O problema é que, logo, vão nos apontar como aqueles que aboliram o futuro e sujeitaram seus descendentes a uma recorrência sem derivações.

Foi à noite, parece, quando todos dormiam. Houve um estalo, um estalo seco, sem ecos, e tudo começou a se mover. O terreno, agora exíguo,  à deriva em alto mar, desprendeu-se do continente já bem distante.

Área demais pequena, só contém a duração que, sem espaço para se conjugar, persevera no gerúndio. Parte de uma margem, mas retorna quando chega à outra, sempre de costas para o passado e o futuro.

Aqui, agora – o tempo para dentro. Implosivo, desce às mais fundas cisternas, onde o arcaico aguarda para contabilizarmos quantas camadas empilhamos, embora sem qualquer equilíbrio, através das eras.

As alturas adensam em nuvens seu cenho jurídico, tudo nos culpa e, cínicos, derrotados de autocrítica, a História nos esquece. Enfim, à própria mercê! Mas sem Deus nem diabo, como faremos de agora em diante?

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

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