CVVSV-Centro de Valorização da Vida do Salva-Vidas
* Por
Marcelo Sguassábia
- Pronto, Centro de
Valorização da Vida do Salva-Vidas – CVVSV. Por favor, seja breve pois nossas
linhas estão congestionadas.
- Tô sem vidas pra
salvar. Antes tivesse cem vidas pra salvar, tá me entendendo?
- Entendo sim. E como
entendo. Você é o décimo sexto que liga hoje. Ontem foram trinta e cinco.
- Ninguém tá precisando
ter a vida salva, moça. Mar calmo, banhistas felizes com Sundown 45 besuntado
até no cofrinho, nenhum desavisado se debatendo na rebentação. Um tédio. Gosto
de viver perigosamente, pra isso escolhi essa vida de salvar a vida dos outros.
- Relaxe, pense que
poderia ser pior. E se tivesse que resgatar dez vovôs gordos e sem preparo
físico se afogando ao mesmo tempo? Daqueles que levam melancia, torta de
sardinha e papagaio pra praia, já pensou?
- Mas pelo menos eu me
sentiria útil, ainda que conseguisse salvar um gordo só. Bem ou mal estaria
honrando o salário no fim do mês. O duro é ficar tomando sol o dia todo naquela
cadeira em cima da escada. Me sinto um usurpador, um verme sem serventia, um
chupim do orçamento da prefeitura. A senhora, como contribuinte, não se sente
explorada? Por favor, me ajude, faça alguma coisa.
- Meu amigo, por acaso
a culpa é sua se está tudo bem? Você saberá cumprir o seu dever, caso aconteça
alguma coisa. Por que você não faz um curso de aperfeiçoamento, um módulo mais
avançado pra sua função? Sei lá, ou então abra-se a novas possibilidades de
relacionamento... uma respiração boca-a-boca com alguém atraente do sexo
oposto, sabe como é, salva-vidas também é gente.
- Sei, sei. Vem ver as
coisas que me aparecem pra salvar, vem ver. Isso quando aparece, né. A praia
aqui é de periferia, minha filha. É a maior relação dentadura por banhista da
América Latina.
- Você também podia
pedir transferência pra algum lugar com mar mais agitado, tipo aquelas praias
de surfistas em Saquarema.
- Mais alguma
alternativa?
- Temos sugerido com
frequência a pintura de paisagens marinhas em aquarela. O único problema é o
salva-vidas se distrair demais com o hobby e não prestar atenção ao serviço.
- Chega, essa foi sua
última chance. Não me convenceu, o buraco no meu caso é mais embaixo.
- Pelo amor de Deus, mude
de ideia. Se não por você, pelo menos por mim.
- Como assim?
- Nosso índice de
reversão das tentativas de suicídio nos últimos seis meses é de apenas 4,9%.
Caso não consigamos melhorar esta estatística, nossa equipe toda será demitida.
Você não está mesmo querendo salvar vidas? Pois então, sua oportunidade é
agora. Salve a nossa, moço!
- Jura que é verdade?
Não está dizendo isso só pra dar uma levantada na minha autoestima? Este
argumento está me cheirando a script decorado aí da equipe de atendimento.
- Onde você está no
momento?
- Estou aqui, no meu
posto de observação, falando do celular. Mas com um cano de revólver enfiado no
outro ouvido. Tem até um pessoal lá embaixo olhando desconfiado pra mim.
- Calma, segura a onda.
- Bom, isso é tudo o
que eu queria, se houvesse alguma pra segurar.
- Moço, olhe pra trás.
Guardas-noturnos, ex-boxeadores, enroladores de bobinas de transformador,
mulheres barbadas de circo e outros suicidas contumazes bem que gostariam de
estar no seu lugar, só aí, de frente pro mar... considere-se um privilegiado.
- Poupe o seu latim
para um caso menos perdido que o meu. Além do mais, meu crédito está acabando.
- Me dá seu número que
eu ligo!
- Vai dar caixa postal.
*
Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Muitas risadas do começo ao fim. Ótima maneira de falar da tragédia da inutilidade alheia. Lembrei-me de um meu amigo salva-vidas em Canavieiras, BA, que foi atropelado na semana passada por uma moto e teve a perna quebrada em três partes, precisando colocar pinos. Também um caso a ser repensado. Receio de que ele terá de se aposentar.
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