O pixoxó
* Por Sílvio
Lancellotti
Moravam num sobradinho apertado, os
pais, os três filhos e uma tia-avó solteirona e afável, cheia de prendas.
Pregava botões, costurava os buracos das meias, ajudava nos estudos e nos
trabalhos manuais da escola, fazia bolos e pãezinhos-de-minuto sensacionais –
e, principalmente, criava avezinhas.
Dispunha de uma dúzia de gaiolas com
pintassilgos, canários, cardeais, dois papagaios com quem costumava conversar –
e um fogoso pixoxó, de canto sensacional. Diariamente, pela manhã, a tia-avó
retirava as gaiolas de uma cobertura bem protegida em que os seus diletos
dormitavam, e as levava à melhor parede do quintal, aquela mais enriquecida
pelo sol. Delicadamente, acomodava as gaiolas nos seus pregos respectivos,
trocava as folhas de jornal que recebiam as sujeiras dos bichinhos, repunha a
água fresca em cada um dos bebedouros, examinava o nível da comida, alpiste,
sementinhas de girassol, folhas de alface, pedaços de frutas. O mais velho dos
sobrinhos-netos, com quem dividia um quartinho de beliche, habitualmente
visitava um bosque de bambus das vizinhanças – a tia-avó lhe garantia que o seu
pixoxó idolatrava os brotinhos das taquaras, que não sobreviveria sem o seu
alimento basilar.
Certa data, a senhora, já na casa dos
setenta de idade, se distraiu e se esqueceu de fechar a portinhola da casinha
do pixoxó. E o preferido entre os seus diletos escapuliu. Encarapitado no
último degrau da escada que conduzia à edícula, o mais velho lia um volume de
História da América quando escutou os gritos da tia-avó. Desceu a escada,
desabaladamente, e intuiu o drama.
Obviamente desorientado, o pixoxó não
sabia como proceder. Ficou lá mesmo, no quintal, a saltitar de canto a canto –
até que o rapazote, com uma camiseta, tentou capturá-lo. Fracassou. Mais
assustado ainda, o pixoxó subiu ao céu e desapareceu no azul. Por uma semana a
senhora chorou e chorou, inconformada em não desfrutar mais o canto sensacional
do seu preferido.
Enfim, bateu no rapazote uma idéia
magistral. Numa loja de artigos de caça-e-pesca, comprou uma redinha de pegar
borboletas. Daí, antes mesmo do nascer do sol, na manhã seguinte, enfurnou-se
no bosque de bambus. Esperou e esperou e esperou. Subitamente, então, primeiro
tímido, depois fulgurante, o canto sensacional desandou a envolvê-lo. Em
instantes vislumbrou o pixoxó, a um metro de distância, a mordiscar brotinhos
de taquaras. Nem precisou mirar o alvo. Mansamente, desceu a redinha sobre o
suave preferido da tia-avó.
Naquela tarde, mereceu todos os bolos e
pãezinhos que devorou.
* Diplomou-se em
Arquitetura. Trabalhou na revista “Veja” de 1967 até 1976,
onde se tornou editor de “Artes & Espetáculos”. Passou por “Vogue”,
agências de publicidade, foi redator-chefe de “Istoé”, colunista da “Folha” e
do “Estadão”, fez programas de gastronomia em várias emissoras de TV, virou
comentarista de esportes da Band, Manchete e Record, até se fixar, em 2003, na
ESPN. Trabalha, além da ESPN, na Reuters, na “Flash”, no portal Ig e na “Viva
São Paulo” e é sócio da filha e do genro na Lancellotti Pizza Delivery – site
de Internet www.lancellotti.com.br.
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