Pedaços de outros Natais
* Por
José Ribamar Bessa Freire
Pensei em comentar
aqui, hoje, a Proposta de Emenda Constitucional 215 que representa uma ameaça
aos direitos indígenas, mas no período natalino as pessoas não estão
interessadas em tais assuntos, melhor deixar para o pós-festa. Nos últimos
trinta anos de presença constante na imprensa amazonense, o tema inevitável na
última semana de dezembro foi sempre o mesmo, como se a chata da Simone não
parasse de cantar "Então é natal".
Então, eu me rendo. Já
fiz até, em algum momento, o balanço de uma dezena de crônicas que escrevi
sobre o tema, de forma tão repetitiva quanto a voz da Simone. Decido agora
selecionar trechos de algumas delas que digitalizei e postei no meu site.
Neve em natal,
presépio em Belém (1985) discutiu o significado histórico da festa na Amazônia,
onde Presépio foi o nome dado à fortaleza para escravizar índios - o Forte do
Presépio, que deu origem à atual capital do Pará. Daí talvez a forma alienada
de celebrar o natal na nossa região com pinheiros de plástico cobertos de
algodão. Sugerimos que a Prefeitura colocasse uma gigantesca trituradora de
isopor no centro espalhando "flocos de neve" pelos céus da cidade. A
coluna distribuiu ainda presentes especiais a políticos em evidência.
Natal sem peru e pirão
(1986) escrita num momento em que o país passava por uma crise econômica indaga
sobre o que faria parte da ceia de natal do amazonense. Peru tender? Presunto
desossado? Pernil? Bacalhau? Filé ao molho de champignon? Nozes? Passas e figos
secos? Nenhum deles é produto regional. O boi foi trazido do Cabo Verde para o
Marajó no séc. XVII, o pintinho foi introduzido no Alto Solimões na viagem de
Orelana, em 1541, quando confundiram o mutum com o peru que aqui não existia.
A alternativa de
valorizar a cozinha regional apresentava castanhas-do-Pará, jaraqui e
baião-de-dois, além do pirarucu, com uma intervenção do chef Carlos Alberto Di
Carli, que foi aqui lembrado por causa do roubo do século ocorrido em Portugal
quando assaltaram um comboio de caminhões que carregava dez toneladas de
bacalhau. O então delegado da SUNAB, Oyama Ituassu, confirmou que para
substituir o bacalhau importaria pirarucu do Peru, cujo preço, porém, era
demasiado salgado. Assim, não tem pirarucu de peruano que aguente.
Diário de tantos
natais (1988) apresenta uma visão panorâmica da evolução da festa natalina em
solo regional, com presentes dados às crianças amazonenses desde o natal de
1954, no Bairro de Aparecida, quando o Zé Bundórica encontrou um pequeno
embrulho debaixo da rede, passando pelo natal de 1960 quando ganhou na festa
dos funcionários do IAPC presente equivocado: uma boneca loura que abria e
fechava os olhos. No natal de 1988, Zé Bundórica já casado e com filhos,
presenteia Bundórica Junior com algo que marcou sua vida.
O saco do Papai Noel
baré (1993) comenta a chegada no aeroporto Eduardo Gomes do velhinho que veio
da Finlândia, trazendo brindes para os políticos amazonenses em evidência:
Amazonino Mendes, Ronaldo Lázaro Tiradentes, César Bonfim, Átila e Belarmino
Lins, todos ganharam o que mereciam. Já
o povo amazonense foi agraciado com o cd "Porto de lenha" do Torrinho
e com o "Reggae por nós" do Cileno, além de gravações do Pereira,
Carlito Ferraz. Célio Cruz, Paulinho Kokay, Lucinha Cabral, Célio Cruz,
Candinho & Inês, Betão Gomes.
- Esse povo triste e
anêmico, embora não saiba, precisa de música. Só a música pode salvá-lo -
filosofou o velho Noel.
A ceia de natal (1996)
reuniu numa festa de confraternização as personalidades que frequentaram o
espaço da coluna naquele ano, na base de "juntar as panelas". Um
conhecido deputado federal, encarregado de trazer o pirarucu-de-casaca para a
ceia natalina veio com 57 familiares, mas a contribuição que deram em comida
foi pouca. A casaca até que era grande. Batata, batata, batata. Farinha,
farinha, farinha. Repolho, repolho, repolho. Banana frita, banana frita, banana
frita. Pirarucu, que é bom, necas de pitibiribas. Adivinhem quem trouxe o
omelete? Ele, José Mello.
Tantos natais, tantas
crônicas (2004) promove festinha de amigo oculto com os 12 personagens mais
assíduos da coluna. Sem assunto, o colunista olha para um lado, para o outro e
logo aparece saltitando a figura do eterno secretário estadual de Cultura,
Robério Braga, o Berinho, que jogou fora
R$3.000.000,00 num festival pirotécnico de cinema, quando 62 municípios
do interior do Amazonas não possuem sala de teatro ou de cinema e apenas três
deles têm biblioteca pública. A crônica reproduz ainda carta de leitor que
registra arbitrariedade do Judiciário local.
Um natal com bolo e
bola (2010) registra episódio ocorrido em 1955 no natal dos pobres da Paróquia
de Aparecida, na quadra do Colégio. O mestre de cerimônias foi o jovem Nilton
Lins - o mesmo que tempos depois criaria uma Universidade com seu nome. Ele
estava penteado com toneladas de gumex, um pozinho que se comprava nas
farmácias e se misturava com água deixando o cabelo duro como plástico. No meio
da festa, anunciou pelo microfone uma disputa, mas só podiam participar meninos
que estivessem usando naquele momento uma meia furada.
A crônica de 2010
termina como essa de hoje: desejando um feliz aniversário para duas pessoas
abençoadas: minha mana Regina Nakamura (20/12) e meu amigo Rubem Rola (18/12).
* Jornalista e historiador
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