O
dia que entrei no céu
* Por Rodrigo
Ramazzini
“Morri. Sim! Morri. Menos mau que da
melhor maneira possível. Foi dormindo. Dormi dirigindo o meu carro. Bati em uma
árvore. Acho que foi isso. Não lembro. Mas não se preocupe, estou bem. Neste
momento caminho por um corredor iluminado por algumas velas. Nas paredes estão
quadros que retratam passagens da minha vida. No final vejo uma luz. É para lá
que eles me mandaram. Não falei neles. São os anjos. Serão anjos? Sei lá!
Recepcionaram-me quando cheguei ao céu.
Será isso o céu? Nem eu sei. Esses
anjos mandaram-me seguir pelo corredor sem olhar para trás. Tenho a companhia
de um outro anjo. Uma espécie de anjo-escrivão. Os mesmos anjos da portaria
ordenaram-me que eu fosse falando pelo caminho. Nem precisaria. O tal
anjo-escrivão anota até os meus pensamentos em um livro. Ele escreve com uma
pena. Um notebook está lhe fazendo falta. Quando penso, ele coloca aspinhas,
quando falo um travessão. Legal! É por isso que você está conseguindo ler esse
relato.
O tal anjo-escrivão está me olhando
atravessado agora. Fim do corredor. Chego na luz. Começo a caminhar por um
tapete vermelho. Não enxergo para os lados, está tudo escuro. Uma cadeira!”.
- Sente-se!
- Quem é? Aí meus olhos! Que luz é
essa, meu Deus?
- Chamou, meu filho?
- O quê? Deus? Jesus? São vocês mesmos?
- Sim!
- Diabo? Diaaaabo!
- Ao seu dispor, meu jovem!
- Eu não acredito!
- Pode acreditar. Você está no seu
julgamento final. Hoje, decidiremos se você vai para o céu ou inferno. Quer
chamar alguém para lhe defender? Um advogado, talvez?
- Nem no meu julgamento final eu
consigo me livrar de um advogado. Chamem o meu tio Breno.
- Chamem o Breno!
- Oi, tio! Veio rápido.
- Oi! Já aviso, é 30 por cento do valor
da causa.
- O único problema que eu sou a causa,
tio Breno.
- Acertamos depois. Qual a acusação?
- Diabo, pode começar.
- É bem como dizem que passaríamos por
um julgamento.
- Silêncio!
- O réu tem contra si a acusação de
mentir para um grande público. Era um contador de histórias ficcionais. Escrevia
história de tal maneira que muitos pensavam ser verdade. Ludibriava as pessoas
sem dó nem piedade, esse cronistinha.
- Vou considerar isso como um elogio
por parte do Diabo.
- É uma acusação grave, meu filho!
- O meu cliente é inocente! Ele não é
mentiroso.
Dois dias depois. Conversa com um velho
amigo sobre o julgamento.
- Bom! Daí quando o meu tio começou
daquela maneira eu já o dispensei. Virei o meu próprio advogado. Contei porque
escrevia. Narrei uma história de amor, um romance de dar inveja a Garcia
Márquez, a Mário Vargas Llosa, entre outros. Falei do meu amor perdido. O meu
amor incondicional por Aristevânia. Que escrevia para aliviar essa dor. Vi
quando o Diabo encheu os olhos de lágrimas. Vai passando o senhor Deus. Vou
falar com ele. Depois eu termino a história, amigo Juremir... Licença... Deus!
Deus! Podemos conversar?
- Estou ouvindo, meu filho!
- Posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro!
- Por que durante o meu julgamento o
senhor só balançava a cabeça negativamente?
- Meu filho! Eu conheço a sua história
inteira, do nascimento até hoje. E sei que nenhuma Aristevânia passou por sua
vida.
- Por que então me deixou entrar aqui
no céu?
- Quem produz cultura ou a apreciação
sempre será salvo, meu filho! Sem cultura, o homem nunca se conhecerá por
completo...
- Ah tá... Obrigado!
- Certo que às vezes acabo engolindo
algumas coisas como sendo cultura...
- Como é que é, senhor?
- Nada não! Pensei alto. Aliás, foi bom
você ter me parado. Queria falar consigo mesmo. Está vendo aquela de branco perto
das rosas?
- Sim! O que tem ela?
- A história que você contou no seu
julgamento também me comoveu. Ela é Aristevânia. E vocês casam amanhã...
- Deus! O senhor sabe que aquela
história era ficcional, uma invenção. Uma mentira!
- Por isso mesmo, meu filho!
- Não!
Aqui é o “Anjo-escrivão”. Ele desmaiou!
Acho que não gostou da Aristevânia.
* Jornalista e cronista
Nenhum comentário:
Postar um comentário