domingo, 16 de novembro de 2014

Lições de solidão

O jornalista Mauro Santayana escreveu, certa feita, em uma de suas tantas crônicas, que “educação para a vida deveria incluir lições de solidão”. Deveria mesmo. A dúvida que me ficou no espírito, quando li o texto em que meu colega de profissão (gaúcho, como eu) apresentou essa proposta (ou sugestão, sei lá) é: quem seria o “professor” para nos ensinar a conviver com tal situação, sumamente comum, todavia penosa e desagradável em determinadas ocasiões? O homem, por característica e necessidade, é um animal sociável. Mesmo que negue, detesta solidão. É certo que em alguns momentos ansiamos por ficarmos sós.

Precisamos dessa pausa para meditação, para ordenarmos idéias e emoções e nos organizarmos. Essa condição, todavia, para não ser penosa e não nos despertar nenhuma sensação de abandono, tem que ser voluntária. Não pode ser imposta por ninguém. E, principalmente, deve ser temporária, apenas pelo tempo que julgarmos suficiente e nem um minuto a mais. Esse varia e depende das circunstâncias. Para uns, três ou quatro dias, ou mesmo uma semana, bastam. Para outros, é preciso prazo mais longo (um mês, quem sabe). E há os que não suportam ficar mais de uma hora sem nenhuma companhia. Sou um desses, embora tenha necessidade freqüente de me isolar por causa da atividade que exerço, ou seja, a de redator (tanto como jornalista, quanto como escritor). Mas detesto esses momentos. A solidão não pode, pois, ser permanente e imutável. Se for... fatalmente desembocará em depressão.

Bem, não é qualquer companhia que nos satisfaz. Há companhias e companhias. Há aquelas pessoas que são como uma espécie de alter ego nosso, das quais não gostaríamos de nos separar nunca, nem mesmo por segundos, apesar do dever nos chamar e ser necessário que nos isolemos. Quando longe delas, sentimo-nos perdidos, vazios, abandonados e infelizes. Minha doce amada, que me acompanha há já meio século, parceira e cúmplice de meus acertos e erros, é uma delas. Meus filhos, cada qual com sua personalidade e modo de proceder, são outros. Os amigos com que a vida me presenteou (e não estou me referindo a meros “colegas”), também estão nesse caso.

Há companhias, todavia, impostas pelas circunstâncias e que não são, portanto, de nossa livre escolha, que nos torturam, aborrecem, chateiam e incomodam. No caso dessas cabe a caráter o ditado popular que diz: “antes só do que mal acompanhado”. São os que o vulgo apelidou de “malas” e que alguém acrescentou para ampliar ainda mais sua chatice, “sem alça, de papelão e molhadas”, enfatizando, assim, o incômodo que causam. O escritor Guilherme de Figueiredo (que está entre meus autores prediletos), escreveu um livro inteiro tratando desse tipo de (má) companhia: “Tratado geral dos chatos”. Leiam, se tiverem oportunidade. Tenho certeza que irão gostar.   

A verdade é que mesmo sendo escolha nossa (quando é, óbvio), raros suportam muito tempo de solidão. Pior é a ditada pela separação das pessoas que amamos (as que citei acima), mesmo que temporária. Fica-nos na alma dolorosa sensação de vazio, de inquietação, de ansiedade pelo reencontro. Nestes casos, sentimo-nos não só solitários, mas também perdidos, infelizes, amargurados, mesmo que não estejamos rigorosamente sós, posto que em meio a uma multidão. Muito pior ainda é quando a separação é definitiva, ou porque a pessoa querida se mudou para outra cidade muito distante, ou se foi para outro país sem perspectivas de retorno, ou, tragédia das tragédias, quando morre.

Amiúde sinto o peso dessa massacrante solidão diante da ausência irreparável e definitiva do meu pai. E não somente dele (embora no seu caso seja mais aguda), mas da falta de parentes queridos que se foram, de amigos que a morte levou e até de personalidades (geralmente escritores) que embora não tenha conhecido pessoalmente, ficaram “encantadas” e me fazem uma falta imensa, pela privação de novas produções suas. Desconfio que seja a essa solidão que Mauro Santayana se referiu, ao entender de devêssemos ter lições a propósito ao sermos educados para a vida. Essa nunca aprendi, e duvido que venha a aprender, a administrar. É inadministrável!!!

A propósito dessa condição – benigna quando de nossa escolha e quando temporária e trágica quando imposta pelas circunstâncias – vasculhando meus arquivos, localizei estas duas pérolas de dois dos meus poetas preferidos. Poetas, ah! os poetas, esses fingidores que, como afirmou Fernando Pessoa, “fingem que é dor a dor que de fato sentem”, sabem de sobejo o quanto dói a solidão, mas extraem grandeza e beleza desse sofrimento. O primeiro poema é de Rainer-Marie Rilke e diz:

A Solidão

“A solidão é como chuva.

Sobe do mar nas tardes em declínio;
das planícies perdidas na saudade
ele se eleva ao céu, que é seu domínio,
para cair do céu sobre a cidade.

Goteja na hora dúbia quando os becos
anseiam longamente pela aurora,
quando os amantes se abandonam tristes
com a desilusão que a carne chora;
quando os homens, seus ódios sufocando,
num mesmo leito vão deitar-se: é quando
a solidão como os rios vai passando”            

O segundo poema, que partilho com vocês, ao fim e ao cabo destas descompromissadas reflexões, é esta beleza composta pelo campineiro Guilherme de Almeida:

Solidão

“Busquei meu semelhante.
Andei a vida,
andei o mundo:
andei o tempo,
andei o espaço.
Treva. Treva. Treva.
Acendi minha lâmpada.
Véu que saiu do meu corpo,
ritmo que saiu do meu gesto:
um crepe em vôo
atirou-se no chão,
subiu pela parede,
debateu-se contra o teto.

Nem minha própria sombra
se parece comigo”.

Boa leitura.

O Editor.


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