quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Informação e sabedoria


A sociedade contemporânea – o mundo globalizado deste início de terceiro milênio da Era Cristã – dadas as facilidades e a instantaneidade das comunicações, gera, diariamente, um volume de informações que não faz muito levava anos, quando não décadas para se acumular. Uma quantidade monstruosamente alta de livros, revistas, jornais, panfletos etc. é editada por ano e consumida avidamente por um número relativamente pequeno de pessoas. A tecnologia evolui em todos os campos, tornando a vida mais fácil e confortável para os que podem pagar por esses benefícios. Nem todos evidentemente podem. Aliás, a imensa maioria não pode. A impressão que se tem, a princípio, é a de que o homem contemporâneo é muito mais sábio e lúcido do que seus ancestrais. Certo? Errado!

Poderia até ser, mas (ainda?) não é. É muito comum a confusão entre conhecimento, ou seja, a mera informação, e sabedoria, que é o aproveitamento prático e útil que se lhe dá. São duas condições absolutamente distintas. Para ser sábio, sequer é preciso que se seja hiper informado. É necessário, isso sim, que se “entenda” quem se é, onde se está e qual a finalidade da sua vida. Ou seja, a pessoa deve ser “inteligente”, na verdadeira acepção do termo. O escritor francês André Malraux, foi sumamente feliz ao observar que “a sabedoria é o conhecimento temperado pelo juízo". De que me vale, por exemplo, conhecer nomes de borboletas, de flores ou de pássaros, a classificação de seus grupos e famílias, saber de seus hábitos e distinguir sua morfologia, se eu for incapaz de identificá-los quando vir um desses espécimes?

E mais, que valia me trará esse conhecimento enciclopédico se, em contrapartida, eu não souber me relacionar com as pessoas com as quais convivo, ou com que entro em contato (no trabalho, na rua, na escola etc.?) E mais ainda, se for incapaz de chegar ao coração do meu próprio filho, se não puder, por não saber como, lhe dar os conselhos de que ele precisa e se desconhecer a forma de conquistar sua afeição e amizade? A maioria não sabe nem mesmo como se fazer respeitar, a não ser por meios violentos, que geram medo, mas nunca respeito. Com as informações que obtiver serei considerado culto, sem dúvida. Mas estarei muito longe de ser sábio, se depender somente delas. Com a simples aptidão humana da empatia, por seu turno, poderei nem estar revelando cultura. Mas exercitarei a sabedoria.

O acúmulo de conhecimentos e informações, ou seja, o mero saber, não implica, pois, necessariamente, em ser sábio. Ajuda, mas sozinho não é suficiente. A sabedoria, insisto, caracteriza-se, entre outras coisas, pelo uso que fizermos do acervo de dados acumulado desde os primórdios da civilização (o patrimônio comum de toda a humanidade) que nos for transmitido mediante a educação formal. É a multiplicação desse conhecimento e sua utilização de forma a enriquecer a espécie. Conheço pessoas que sequer sabem ler, mas que são fontes inesgotáveis de bom-senso e sabedoria. Em contrapartida, sei de inúmeros doutores, com uma infinidade de diplomas, que são arrogantes e obtusos e não enxergam um palmo à frente do nariz no que diz respeito à ciência do bem-viver.

É comum confundir-se o sábio com o apenas erudito, ou com o que se diz "inteligente".  São conceitos diferentes, reitero, embora a diferença seja sutil para que os despreparados, dados a generalizações (para as quais foram treinados no lar, na escola e na sociedade), a percebam. Sabedoria só se obtém com experiência, com o agir, errar, aprender com os erros, voltar a agir, errar de novo, dar meia volta outra vez, mas sempre aprendendo, sempre crescendo, sempre evoluindo. Ela é o clímax da racionalidade. É criativa, dinâmica e, sobretudo, participativa. Inteligência, por sua vez, é a mera capacidade de uma pessoa entender conceitos abstratos e as coisas que a rodeiam (do latim "inteligere"). Se não aplicada, pouco ou de nada valerá para o indivíduo e para a coletividade.

Já o erudito é o que acumula conhecimentos. Quase sempre, porém, esse acúmulo é apenas teórico. Se não souber o que fazer com o que acumulou, pouca ou nenhuma valia lhe terá esse acervo. É preciso acreditar no que aprendeu. E, mais do que isso, é indispensável dar sentido prático a esse conhecimento. A fé, ao contrário do que afirmam os céticos empedernidos, gera sabedoria. É preciso acreditar em alguma coisa antes de procurar conhecê-la. Se sequer acreditarmos nela não buscaremos, jamais, chegar às suas raízes e fundamentos. Claro que essa crença tem que ser racional, posto que tudo no universo tem lógica e se prende a inflexíveis leis naturais, pois este é fruto da criação da fonte máxima de ciência e da sabedoria, da qual somos obra, imagem e semelhança: Deus (ou dêem-Lhe o nome que quiserem).

Só indivíduos com racionalidade desenvolvida entendem que essa sabedoria universal, que criou e rege com leis simples e imutáveis galáxias, estrelas, planetas e tudo o que há (vivente ou não); que fez a matéria e a energia e que mantém tudo funcionando com a precisão de um relógio, é construtiva, positiva, paternal e protetora. É amor e não rancor. É razão e não instinto. Não requer de nós sacrifícios ou pavores. O que não se pode é explorar as angústias e falta de luz de mentes simplórias e atrasadas para manipulá-las com um conjunto de superstições, a pretexto de se tratar de verdades, de ser o que alguns denominam eufemisticamente de “religião”. A verdadeira “religação” com Deus envolve racionalidade, e não “magia”, já que não se pode adorar o suprassumo da racionalidade e sabedoria com práticas, com dogmas e com ritos ilógicos e irracionais. Não faz sentido.

Todo o conhecimento que adquirirmos só terá lógica e razão de ser se revertido em benefício da preservação e evolução da espécie. A pessoa apenas se realiza e justifica sua existência quando vive em função do próximo. É o único caminho sensato que conduz à realização pessoal e à felicidade. Ademais, o sábio não aceita, a priori, tudo o que lhe dizem e que lê, nem se deixa levar pelas aparências, para formar determinada opinião. Busca, antes de tudo, informar-se o máximo que pode, sobre certas idéias ou assuntos, analisando todos seus ângulos e pormenores, testando-os para só depois de absolutamente convencido, formar juízo, fundamentado em fatos. Afinal,  "nem tudo o que reluz é ouro", diz conhecido adágio popular. E não é mesmo.

Julgamentos afoitos e precipitados são o caminho mais curto para conduzir o indivíduo ao erro, por melhor preparado que esteja e por maior que seja a sua erudição. Temos, todos, em determinados momentos de nossas vidas, com intensidades variáveis, “lampejos” de sabedoria. Contudo, por negligência, falta de autoconfiança e/ou até mesmo distração, não raro perdemos a oportunidade de nos tornarmos verdadeiramente sábios e de compartilharmos essa desejável condição com o mundo. Muitas vezes achamos que o conhecimento das coisas e das pessoas vem sempre completo, acabado, prontinho para ser usufruído. Engano! Compete-nos identificá-lo, expandi-lo, aperfeiçoá-lo, burilá-lo, detalhá-lo, dar-lhe nossa indispensável contribuição, com a marca da nossa personalidade. Esse detalhamento é, sobretudo, o que nos compete fazer, mediante muito estudo, meditação, observação e autodisciplina. O resultado desse esforço, todavia, é mais do que compensador. Tem que ser a nossa meta!

Boa leitura.


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