domingo, 7 de setembro de 2014

O tempo da política passa devagar


* Por Marcos  Alves


Foi uma eleição morna. Apesar da expectativa criada com o debate da Band, quando o candidato Alckmin apareceu aos olhos do país com uma postura arrojada, os números permaneceram favoráveis a Lula até a totalização dos votos. O termômetro desse marasmo foi o plantão de domingo na redação. Os flashes entraram no horário, salvo alterações de última hora, geralmente de ordem técnica ou por falta de assunto mesmo. Minas não teve segundo turno para governador e a atenção foi para os números de Brasília. Pouco estresse, nenhuma surpresa.

Salvo no dia da divulgação da primeira pesquisa posterior ao debate quando embarquei numa pegadinha. Assessores e militantes do PT acompanhavam um político do partido que dava entrevista na emissora onde trabalho. Eram oito e meia da noite, fim de expediente para mim. Na saída, cumprimentei o grupo e um deles puxou conversa. Falei sobre o debate e ele me disse que na primeira pesquisa a ser divulgada ainda naquela noite, Geraldo Alckmin apareceria a 8 pontos de Lula. Foi o que lhe acabara de dizer um amigo que ligara de Brasília.

No trajeto do trabalho para casa que fiquei pensando no significado da virada que se anunciava. O escândalo do dossiê surgiu como o fato novo que iria provocar a ruptura definitiva no projeto da reeleição. Como iriam ficar as composições políticas a partir desse quadro novo? Como seria a vitória de virada de um candidato que se lançou como desconhecido na maior parte do Brasil e agora derrotava o maior líder popular surgido nas últimas décadas?  É a corrupção, esse câncer, fazendo mais um estrago. Mas ao abrir o apartamento ouço minha mulher dizer que Lula ampliara a vantagem.

Foi o bastante para todas aquelas projeções e conjeturas feitas a caminho de casa desmancharem como farofa. Nada de novo. E assim foi até o último domingo, em um plantão chato. Por volta de meio-dia passei na casa da avó para deixar as crianças.

Família reunida à mesa, mas dividida politicamente. Uns a favor de Lula, outros de Alckmin. A discussão esquentou quando surgiu o assunto do imposto de renda. Os tucanos reclamaram que o dinheiro vai para o Bolsa-família ou para sabe-se lá onde. Os petistas disseram que pelo menos está sendo aplicado no social.

A massa estava ótima e o frango também. A costela assada, meu Deus, me deixaria em estado de banzo avançado, impróprio para encarar a maratona de telefonemas, laudas e fitas que aquela tarde anunciava. Despeço-me da turma que tem o dia livre e parto para outra, isso mesmo, outra eleição. Mais uma, e confesso que não desgosto de tudo.

Há alguns anos, cobri uma eleição municipal em que o terceiro colocado nas pesquisas conseguiu uma virada espetacular nas urnas. Dizem que foi por causa do único debate, feito uma semana antes do pleito, em que ele se manteve cordial e sorridente enquanto os favoritos trocaram farpas, para não dizer ofensas o tempo todo.

Voltando à eleição de Lula, nos próximos quatro anos o Brasil vai crescer, indiscutivelmente. Para todos os lados, em todos os sentidos. A economia estável protege o capital, o setor produtivo também se beneficia. Esse é o Brasil dos números.

No Brasil das pessoas, a situação é pior por causa da miséria, visível nos mendigos das pontes e viadutos, no grau de carência das massas beirando o colapso, na indiferença dos grandes condomínios, na esterilidade das promessas dos políticos e da grande mídia, tão bem feita quanto distante da realidade da maioria das pessoas.

A despeito disso e voltando aos debates gostei mais do último, quando os candidatos ficaram feito touros em uma arena cutucados pela platéia. Chegaram mesmo quase ao contato físico, em alguns momentos. As perguntas dos convidados não trouxeram qualquer novidade, mas o formato ficou interessante. Evoluímos todos com o processo democrático.

(Texto que trata das eleições presidenciais de 2006).

* Marcos Alves é jornalista.



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