De marca maior
* Por
Marcelo Sguassábia
O que será que faz o M
do Mc Donald's, a curvinha da Nike, o jacarezinho da Lacoste serem o M do Mc
Donald's, a curvinha da Nike e o jacarezinho da Lacoste? Na busca de uma
resposta, homens de marketing divergirão de sociólogos. Que não necessariamente
terão as mesmas convicções dos filósofos, cujos argumentos jamais convencerão
os religiosos, que inspirados em seus dogmas travarão discussões acaloradas com
os cientistas políticos. A celeuma se aprofundaria, ganharia a mídia e se
transformaria num grande fórum de debates, certamente com o patrocínio da
Coca-Cola, da Vivo ou da Volkswagen.
O fato é que as marcas
estão aí, colossais e reluzentes, explícita ou subliminarmente a fincar suas
bandeiras nas frágeis massas cinzentas.
Tenho um amigo,
publicitário, que arranca todas as etiquetas visíveis de suas roupas. Entende
ele que essa é uma forma de propaganda e, até onde sabe, jamais será remunerado
pela veiculação. Então, tesoura nelas. Nem bem saem das lojas e as roupinhas de
grife viram genérico. "Ainda se a roupa saísse de graça, vá lá, tudo bem.
Até toparia a permuta" – diz ele. "Eles me dariam as calças, camisas
e sapatos e eu sairia pra rua desfilando as marcas deles".
Tá certo que esse meu
amigo é um tanto radical. Mas tão xiita quanto ele é aquele cara no extremo
oposto, que compra a etiqueta e só depois é que repara no produto em volta
dela. "Grifado" da cabeça aos piercings, o talzinho é um verdadeiro
anúncio ambulante. Veste o que veste não pelo valor que atribui à indumentária,
mas pelo status que supostamente darão a ele por se exibir com aquilo tudo.
O poder da marca é um
caso muito sério. E vale tudo para garantir que ela abocanhe mais mercado. Até
mesmo recorrer a obras-primas em domínio público, que à revelia de seus autores
acabam virando sinônimo de marca. O que será que Beethoven pensaria se soubesse
que aquela curta e genial sequência de notas, que alicerça sua Quinta Sinfonia,
se transformaria no "pão pão pão pão" da Wickbold? Ou da sua
"Pour Elise", comendo solta nas esperas telefônicas e nos caminhões
de entrega de gás? Quando é que iria passar pela cabeça do autor de "O
Sole Mio" que sua canção imortal viraria comercial de Cornetto? E por aí
vai. "As Quatro Estrações", de Vivaldi, vendendo sabonete. O célebre
"Aleluia" de Haendel, que já apregoou até remédio para prisão de
ventre. A solene "Pompa e Circunstância", de Edward Elgar, por
décadas reduzida à musiquinha do "Boa Noite Cinderela", antigo quadro
do Programa Silvio Santos. A lista é interminável. Se bobear, "Águas de
Março" daqui a pouco vira jingle de guarda-chuva, pra desespero do meu
amigo xiita. Que, aliás, anda sumido. Deve estar desempregado.
*
Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Nenhum comentário:
Postar um comentário