quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Araceli, Ana Lídia, Isabella, Bernardo... Quantos mais?

* Por Mara Narciso

Há tempos se diz que embotamos os nossos sentimentos e a capacidade de nos indignarmos. Como estamos no quesito compaixão? Quando pensávamos estar completamente indiferentes à carga minuto a minuto de atos cruéis e indignos contra o ser humano, surgem as reportagens com sons e imagens do durante e não do após. Passamos a ver o estrago sendo feito e não o depois, o rescaldo, o resultado da nossa brutalidade.

Uma mulher na qualidade de babá tortura uma menina de seis anos, batendo em sua boca e apertando-a entre as pernas, enquanto a filha dela, de 12 anos filma a cena e ajuda no espancamento. Imagens provam o que é uma notícia chocante. Então, passamos a ter nossas consciências cutucadas por imagens cruas. São cenas da insensatez humana. Humana? Decapitações, corpos dilacerados, torturas, assassinatos em tempo real, tudo é “assistível”.

Crianças sendo torturadas, física e psicologicamente, estão no ar. Enfureço-me diante dos fatos. Tenho ímpetos de fazer justiça, voando no malfeitor. Hediondos, os crimes sexuais são o clímax da degradação humana. Contra menores então, repugnam-me muito mais. Crianças são preciosidades, e fazer algo contra elas é romper com o sagrado. Se elas não agem como se gostaria que fosse, certamente pergunte a si mesmo como agiu com ela, e terá a resposta. Certamente o erro começou em você e não nela. Não se deve julgar uma criança. Procure entender suas dificuldades, e como foi a sua vida até ali. Depois veja o que pode fazer para ajudá-la.

Araceli Cabrera Sánchez Crespo, de acordo com a Wikipédia, foi uma menina violentamente assassinada em 18 de maio de 1973, aos oito anos de vida. Morava em Vitória, ES. Sua mãe a usava para levar drogas. Foi sequestrada após as aulas. Dois homens a doparam, e seviciaram, levando-a a morte por overdose de LSD e sufocamento. Teve seu corpo violado e mordido, além de ter-lhe sido jogado ácido para evitar o reconhecimento. Após a morte ficou em refrigeração, nas mãos dos assassinos por dois dias, até ser jogado atrás de um hospital. Seus algozes foram condenados, mas não cumpriram pena, por pertencer a famílias ricas e importantes.

Ana Lídia Braga tinha sete anos quando foi sequestrada na entrada da sua escola, em Brasília. Era o dia 11 de setembro de 1973. Ela foi morta no dia seguinte após ter seus cabelos cortados as tochas, o corpo queimado por pontas de cigarros e estuprada. O seu irmão a vendeu a traficantes, diz a Wikipédia, mas novamente, por se tratar de assassino filho de ministro, o crime virou símbolo de impunidade no país. A família foi conivente e a Ditadura Militar mandou ordens expressas para que não se falasse no assunto.

Isabella de Oliveira Nardoni morreu aos cinco anos de idade quando foi jogada pelo seu pai, da janela do 6º andar do prédio onde ele morava, após a madrasta bater nela, tirar-lhe sangue e jogá-la no chão. Foi no dia 29 de março de 2008, em São Paulo. Os réus, Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá cumprirão penas de 31 e 26 anos respectivamente. O crime bárbaro que cometeram comoveu todo o país, e ainda emociona.

De acordo com a polícia, Bernardo Boldrini foi morto em Três Passos, RS, pela sua madrasta Gracieli Ugoline, no dia 4 de abril de 2014, após ter sido ameaçado de morte por ela, em gravação ouvida por todo Brasil. Ele tinha 11 anos e vinha sendo menosprezado e torturado psicologicamente por seu pai Leandro Boldrini, mentor do crime. Sua madrasta e carrasco, segundo uma ex-babá, já tinha tentado asfixiá-lo. O menino pediu ajuda à justiça pessoalmente, mas não houve tempo. Foi barbaramente imolado, dopado com midazolan e enterrado em cova rasa, após banho de ácido.

O caso está em andamento, com audiências, depoimentos e ajuntamento de provas. O resgate de um vídeo apagado do celular do pai mostra um menino desesperado, pedindo por socorro aos berros. 

Dizia que tinha sido surrado pela madrasta, e é ofendido por ela que chama a sua mãe de vagabunda e ele mesmo de “cagão”, quando fala que vai denunciar à polícia os maus tratos sofridos. Com duração de 13 minutos e 51 segundos vai pouco a pouco mostrando o sofrimento de Bernardo, que precisava muito de ajuda, mas não conseguiu ser salvo.

Diariamente o Brasil se escandaliza com novas crueldades contra menores, dentro de suas próprias casas. Que pensemos o quanto estamos omissos em relação ao nosso futuro. Quantas crianças estão neste momento sendo vítimas de abuso?

Vejam os casos nos links:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Araceli
http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Ana_L%C3%ADdia.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



2 comentários:

  1. Sua pergunta do título é também minha e de todos os brasileiros de bem, Mara. Revoltante...

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  2. O nosso futuro está sendo destruído, Marcelo. temos de praticar mais amor e compaixão. Obrigada pela passagem.

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