A história da opinião pública brasileira
* Por
Raul Longo
II Parte – Das Origens à Descoberta
Muitas vezes se
confunde Origem com Descoberta. A origem do Brasil não se deu em 1.500. O
Brasil, com outros nomes, sempre existiu para os que aqui já estavam. Em 1.500
se deu a descoberta segundo os portugueses, embora vestígios arqueológicos
provem que outros povos houvessem encontrado os nativos de Pindorama muito
antes de Cabral.
E se as opiniões do
clérigo Pero Vaz Caminha passadas ao rei de Portugal foram as primeiras de um
europeu sobre a terra descoberta, não foi a única, pois os índios também tinham
suas próprias opiniões sobre os descobridores e, mesmo que não tão contrárias
ao ponto de meter flecha, por certo não seriam tão dúbias e difusas quanto as
de Marina sobre os LGBT. Apenas uma indecisão, como a frente de um
extraterrestre ou às aparências de um candidato com jeito de bonzinho.
Não meteram flecha e,
infelizmente, deu no que deu e todos sabemos. Uma comprovação de que do que a
Opinião Pública vacila, coisa boa não vem.
Mas firmes e coerentes
foram as opiniões do Caminha, pois os reis não se dão a tanta paciência com
ditos, desditos e reditos. Já do lado silvícola ainda há a considerar que mesmo
mais diversificadas do que as opiniões daquela candidata à presidência, as dos
índios sobre os emboabas tenham se centrado em um único aspecto: o estético.
Como a terra descoberta
ainda era pura e não fora acometida de Silas Malafaia ou qualquer outro mal, os
indígenas não questionavam contradições e acomodações de interesses imediatos
de qual grau fosse, tampouco a promessa do hoje para um amanhã só Deus sabe e
nos acuda! Para a Opinião Pública dos tupis, aquela gente descobridora que
chegou do mar só tinha um primeiro defeito aparente e transparente: era um
bocado feia!
Embora lamentavelmente
não houvesse nenhum escrivão para registro da opinião tupi sobre aquela
chegança, isso se depreende, por exemplo, dos primeiros significados da palavra
carioca. Hoje cantada em todo o mundo em enaltecimento da “coisa mais linda/que
vem e que passa” que o Vinícius de Moraes, com a licença de sua reconhecida
genialidade, chupou da grande poeta grega da antiguidade, a apaixonante Safo de
Lesbos; na utilização dos índios há cerca de 5 séculos antes, carioca não tinha
nada de lisonjeiro à ainda inexistente beleza da Garota de Ipanema. Em verdade,
se referia aos barbudos e peludos portugueses que aos olhos nativos se
assemelhavam ao Cari, peixe também conhecido como Cascudo.
Danado de feio, o Cari
tem a cabeça grande e o corpo delgado, da mesma forma que para os índios de
cabelos lisos escorridos, os lusos se alargavam nas cabeças de vastas
cabeleiras onduladas pela miscigenação moura e barbas desgrenhadas pela sujeira
e maresia. E se afinavam nas barrigas vazias e subjugadas às dietas racionadas
de meses de travessia oceânica; diferindo do tronco maciço e musculoso dos
indígenas conformados à mandioca e à truculência necessária para a bruteza do
cotidiano no ambiente dito selvagem.
Pois para os imberbes
silvícolas, selvagens e medonhas eram àquelas bocas contornadas por barbas e
bigodes, tal e qual a boca ventral do Cari que, em algumas espécies, é rodeada
de filamentos parecidos a penugens.
Erroneamente se
acredita que um tipo de Cari sirva para limpar os vidros dos aquários. Não é
verdade, mas a Opinião Pública também consagra crenças e lendas e, a despeito
da ictiologia, é comum se encontrar cari de boca grudada nas paredes dos
viveiros de peixes dos mais experientes aquaristas.
Quando livre, a Opinião
Pública evolui com a história e se para os índios o ajuntamento de casas lá
abaixo da Serra das Araras era a Oca do Cari, quatro séculos e meio depois Tom
Jobim pôde interpretar a Opinião Pública cantando: “ela é carioca/ela é
carioca/basta o jeitinho dela andar... pra mim ela é linda demais/e além do
mais, ela é carioca”
Portanto, por mais que
Opinião Pública brasileira tenha mudado neste ou naquele aspecto, nunca deixou
de existir e já existia mesmo quando em nada importava para Capitães Donatários
e Governadores Gerais vindos de Portugal.
No início do século 19
veio o próprio Príncipe Regente, fugido de Napoleão, e sem se lixar para a
Opinião Pública mandou pintar um PR na porta de cada casa desejada pelos que o
acompanharam. E sem nenhum direito de opinião, o dono da casa tinha de entregar
o imóvel.
Assim como a mando do
Collor a Zélia Cardoso de Melo rapou as economias dos brasileiros, um belo dia
Dom João também retirou todo o dinheiro que brasileiros haviam depositado no
Banco do Brasil que ele mesmo fundou. Fundo e afundou: limpou o cofre, fechou o
banco e foi embora.
Opinião Pública havia e
não deve ter sido pouco o que o Pedro -- única coisa que o João VI nos deixou
-- ouviu xingar o pai. Talvez por isso, apesar de devasso e arruaceiro, tenha
sido o primeiro a demonstrar alguma preocupação com a Opinião Pública
brasileira e teve o cuidado de ordenar: “Diga ao povo que Fico!”. Pura
demagogia! Ficaria mesmo que o povo não quisesse, pois foi com o dinheiro
entregue pelo Brasil como indenização pela Independência que Portugal pagou
suas dívidas à Inglaterra garantido ao Pedro I daqui a coroa do Pedro IV
lusitano.
Talvez nem tanto quanto
as privatizações do Fernando Henrique, mas a Independência também nos saiu
bastante caro. Tanto que o José Bonifácio de Andrade e Silva afirmava que
aquilo não era uma independência, mas uma alforria, como então era chamada a
carta comprada para obter a liberdade de um escravo.
José Bonifácio não
tinha papas na língua e quando Dom João VI passou os 2 milhões de esterlinas do
Brasil para a Inglaterra, só se referia ao soberano de Portugal como João
Burro. Santista, Bonifácio era homem de opinião forte e, indignado por Pedro I
conceder título nobiliárquico a uma de suas amantes, a Domitila de Castro Canto
e Melo que fez Marquesa de Santos, passou a chama-lo de Pedro Malazarte,
inescrupuloso personagem da literatura oral popular que não tem nada a ver com
o Malafaia. Cínico e enganoso, é certo, mas muito mais simpático.
Nisso de boca dura José
Bonifácio foi precursor de seu conterrâneo Plínio Marcos. Convocado por Beth Kablin,
à beira da piscina da residência da filha da elite industrial, Plínio ouviu as
considerações da socialite com veleidades à atriz sobre o sucesso de sua peça
“Navalha na Carne”, numa introdutória confissão de grande admiradora da
Marquesa de Santos com quem se sentia tão identificada que produziria a peça
biográfica que queria que o Plínio escrevesse para ela interpretar a personagem
histórica. Plínio levantou-se da borda da piscina, depositou o copo de uísque
que lhe fora servido em um daqueles consoles próprios ao ambiente, e,
despedindo-se, desculpou-se por recusar o privilégio: “- Sinto muito madame,
mas de putas só entendo das pobres”.
Pois para contornar
esse tipo de severidade da Opinião Pública por abandonar o filho com apenas 5
anos de idade, Dom Pedro I superou até as franquezas santistas do José
Bonifácio a quem havia banido do país. Chamou seu ex-conselheiro de volta e o
nomeou tutor e ama seca do Pedrinho, a quem ele próprio, o pai, já fizera órfão
de mãe no primeiro ano de vida ao chutar a barriga da Imperatriz Leopoldina em
sua segunda gravidez.
A revolta da Opinião
Pública pela morte da Imperatriz e de outras devassidões que só não superaram
as do Aécio Neves porque então ainda não existiam determinadas variedades de
estimulantes e entorpecentes, levaram Dom Pedro a algum bom senso e se
reconciliou com o popular Patriarca da Independência que gozava de grande
simpatia da Opinião Pública, inclusive por sua afabilidade e abertura de acesso
aos mais pobres. E assim, livre do traste do pai, Pedro II teve uma formação
primorosa, tanto na cultura quanto no caráter. Gentil e admirador das mulheres,
nunca foi grosseiro e covarde!
Gostava das mulatas, é
verdade! Mas isso não é pecado e quem é que não gosta e não se deixa seduzir
pelos encantos femininos da miscigenação brasileira? Afora essas qualidades,
Dom Pedro II também foi o primeiro governante que realmente atendeu aos
interesses do Brasil e dos brasileiros.
Muito se fala do
governo Lula, mas quase 2 séculos antes Pedro II também recuperou a economia do
país, implantou as primeiras grandes estradas carroçáveis em diversas
províncias, os primeiros lampiões de gás para iluminação pública, as primeiras ferrovias. Também promoveu a
educação incentivando a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
a Imperial Academia de Música, e o Colégio Pedro II que serviu de modelo às
demais escolas surgidas no país. Igualmente providenciou bolsas de estudos para
brasileiros estudarem no exterior e financiou a criação do Instituo Pasteur.
Da mesma forma
enfrentou com dignidade as potências estrangeiras sem tirar os sapatos nem
abaixar as calças pra ninguém, como quando a Inglaterra ameaçou aprender
embarcações da marinha mercante brasileira em represália à prisão de oficiais
britânicos baderneiros que, embriagados, causaram distúrbios pelas ruas do Rio
de Janeiro. Em imediata resposta Pedro II ordenou à artilharia costeira e
encouraçados que atirassem em qualquer navio britânico que atacasse
brasileiros.
Os borra-botas de
sempre acorreram a pedir que cedesse às pressões, mas em junho de 1863 cortou
relações diplomáticas com a Grão Bretanha e o governo brasileiro apresentou
suas demandas para arbitragem internacional.
Pela primeira vez na
história a dignidade de um governante brasileiro arrebatou a Opinião Pública
nacional e internacional e muito antes do comentário do Obama sobre o Lula,
Pedro II foi “O Cara”. Reconhecido pelas grandes instituições da comunidade das
nações, recebendo convites para integrar as mais distinguidas academias de sua
época, inclusive a britânica Royal Society, além da Academia de Ciência da
Rússia, Academia de Ciências e Artes da Bélgica, da Sociedade Geográfica
Americana. Em 1875 foi eleito membro da Académie des Sciences francesa, uma
honra que antes só coubera a dois outros chefes de estado: Pedro o Grande da
Rússia, e Napoleão Bonaparte, imperador da própria França.
A essa Académie des
Sciences é relacionado o Sciences-Po ou Institute d’Ètudes Politiques de Paris
que ao longo de secular existência só distinguiu pouco mais de uma dezena de
personalidades internacionais, mas nunca havia consagrado ninguém do hemisfério
sul antes de entregar o título de Doutor Honoris Causa ao brasileiro Luís
Ignácio Lula da Silva, em 2011.
Ou seja, a Opinião
Pública brasileira não consagra governantes à toa. Quando um governante
brasileiro é consagrado pela Opinião Pública daqui, seu valor é ratificado
internacionalmente embora, infelizmente, assim como aconteceu com Dom Pedro II,
a elite econômica que se mantem a custa da espoliação do país sempre esteja
pronta a armar alguma arapuca contra os interesses populares e nacionais,
promovendo o abuso e o desrespeito mundial pelo Brasil. Mas isso é outra parte
da história da Opinião Pública brasileira.
*Raul Longo é jornalista, escritor
e poeta. Mora em Florianópolis e é colaborador do “Quem tem medo da
democracia?”, onde mantém a coluna “Pouso
Longo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário