Bilhete
* Por
Cecília Prada
Acho
que desta vez me perdi de vez - mesmo. Ainda estou caminhando mas está ficando
escuro e frio - os que têm notícias de mim me avisem por favor, se me virem
passar. Se souberem por onde fui. os que possuem algo de mim - corpo carnal que
dei aos filhos, espírito que dei aos meus escritos, pedaços de mim que se
esgarçaram e perderam, voaram, tenuemente desfeitos nos por aí, me digam por
favor, onde, catem fios dispersos, lantejoulas, sofrimentos - e minhas risadas,
sim, por que não?
E me tragam, seus
pedaços, para que eu possa, precariamente, me recuperar. Talvez, Meu vestido de
pintinhas azuis, estão lembrados? - deve haver alguém, solitário e final, dele
lembrado. Minha saia vermelha que eu brincava de saia cigana, me rodopiava
nela, e a blusa de organza branca, de babadinhos, e o primeiro caderno de capa
xadrezinha que eu amei mais que a todos meus namorados - psiu, não digam a
ninguém, não digam. Me tragam, se virem fragmentos deles no pisar dos anos
muitos esfrangalhados - quem, os namorados? os versos que lancei ao vento, as
contas de um colar verde arrebentado?
E se alguém tem
certeza, mas eu digo certeza mesmo, da razão de nosso viver -ah, que me diga
logo, loguinho, por favor. Que não tenho mais tempo de ficar esperando começar
o baile que não houve.
"Esperei toda a vida que me abrissem a porta / ao pé de um
muro que não tinha porta " - disse Fernando Pessoa.
(Os poetas mortos
sempre nos ouvem. E como respondem!).
* Escritora e jornalista, estreou na década de 50 no jornal A Gazeta de São Paulo. Como
jornalista trabalhou em vários jornais e revistas de São Paulo e Rio de
Janeiro, e em 1980 ganhou o Prêmio Esso de Reportagem pela Folha de São Paulo.
É detentora de quatro prêmios literários e tem cinco livros de contos
publicados, dentre os quais: O caos na
sala de jantar, Estudos de interiores para uma arquitetura da solidão e Faróis estrábicos na noite, além de
vários livros sobre jornalismo. Seus contos e artigos figuram em revistas
estrangeiras e em antologias brasileiras e do exterior. Foi diplomata de
carreira (turma de 1957) do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações
Exteriores. Atualmente reside em Campinas (SP), onde termina um romance
autobiográfico.
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