Escassas referências
sobre inspirado artista
O décimo quinto
escritor incluído na antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, Rio de
Janeiro, 1963), que me serve de referência para esta série de estudos sobre
alguns dos principais ficcionistas baianos, é José Pedreira. É mais um, entre
uma meia dúzia, sobre o qual não encontrei nenhuma referência específica sobre
quem foi, o que fez e quais obras nos legou. Sequer consegui apurar se ainda
está vivo, atuante e publicando textos, mesmo que em jornais, ou se já morreu.
Lamentável.
Sei que foi importante
para as chamadas “belas letras”, tanto regionais quanto nacionais, por referências esparsas ao seu nome e por
citações truncadas de seus textos. Uma delas, por exemplo, sugere que se tratou
de um artista (porquanto não se limitou à Literatura) bastante popular na
Bahia, sobretudo em Salvador. É contra esse tipo de “crueldade”, de
esquecimento, de súbita “amnésia”, ainda mais quando generalizada, que me
rebelo, por considerar essa atitude injusta e desleal. José Pedreira, além de
escritor (e dos bons, como pude apurar pelo conto com que participa do livro
“Histórias da Bahia”), foi crítico de arte, decorador, especialista em santos
antigos e em peças baianas de mobiliário. Ainda assim... Convenhamos, era para ter
mais, muito mais referências ao seu nome e à sua obra na internet do que as que
existem (ou, na verdade, “inexistem”). E ele é apenas um de meia dúzia de
outros escritores que participaram desta antologia sobre os quais há escassas
fontes para o analista consultar.
Certamente, seus
conterrâneos sabem muito a seu respeito. Certamente os jornais da Bahia,
sobretudo os de Salvador, têm inúmeros dados, quer sobre sua vida e quer sobre
suas atividades. Mas... fora do âmbito do seu Estado... age-se como se ele não
tivesse existido. Está aí uma oportunidade para alguém dinâmico e com
capacidade de iniciativa fazer um resgate da sua trajetória literária e jogá-lo
neste “oceano” sem limites de informações, que é a rede mundial de
computadores. Sei, por informações publicadas no livro “Histórias da Bahia” –
que, recordo, foi publicado em 1963, portanto, há meio século – que José
Pedreira nasceu em Itaparica, em 1923. Mas, em que dia? Em que mês? Ignoro.
Assim como não consegui apurar se já morreu ou não. E, em caso positivo,
quando, onde e como? Confesso, nesse caso (ou também nele), minha profunda
ignorância.
Sei ainda, informado
pela mesma fonte, que José Pedreira fez parte do grupo dos “Cadernos da Bahia”,
com Vasconcelos Maia, e que teve intensa participação no movimento cultural
baiano, notadamente a partir de 1948 e até a publicação da citada antologia.
Daí deduzir, por a + b, que os jornais baianos e, principalmente, os de
Salvador, têm uma infinidade de informações a respeito desse escritor. Então,
por que não as disponibilizam na internet, esse magnífico recurso quando bem
aproveitado?!!! Não entendo a razão e nunca irei entender.
Sei que José Pedreira
publicou pelo menos três livros, sendo um romance, cujo título ignoro, e dois
de contos: “Rosa da noite”, em 1953 (Edições Cadernos da Bahia) – com
ilustrações desse argentino “mais brasileiro”, ou melhor, “mais baiano” do
mundo, que foi Carybé – e “Histórias de Gustavinho”, de onde foi extraída a
história publicada na antologia que me serve de referência para esta série de
estudos. Provavelmente sua bibliografia é muito mais extensa. Mas... peço
escusas ao leitor por não conseguir detalhar a sua obra.
Como venho fazendo com
outros escritores, partilho com vocês o trecho final do conto “O amor no circo”
com que José Pedreira participa de “Histórias da Bahia”. Tão logo colha mais
informações a seu respeito (e estou certo de que receberei, por e-mail,
inúmeras delas) voltarei a tratar desse ficcionista que, com tudo e por tudo,
mais do que merece sua inclusão entre os melhores e mais representativos da
ficção tanto baiana quanto nacional.
“(...)
O vento fabricava formas bizarras na capa de cetim preto, ora enchendo-a de ar
como um balão, ora impelindo-a para trás como uma cauda – “Vou lhe contar uma
história de Fabiano”, propôs a mulher e como Gustavinho olhasse o relógio no
pulso e fizesse um aceno negativo com a cabeça, ela prosseguiu, decidida: -‘Ora
essa, que diferença faz se você fica aqui mais uns cinco minutos?’ Gustavinho
baixou os olhos num assentimento. Dos fundos do circo, chegavam sons
indistintos de vozes e o cão ladrava a intervalos.
-
‘Há alguns anos havia aqui no circo uma moça que gostava muito de Fabiano...’ A
mulher falava lentamente, destacando cada palavra. – ‘...era filha do dono do
circo e tinha o melhor número de todo o espetáculo. Até hoje não tivemos uma
outra que dominasse tão bem o trapézio’. O canto de um galo rasgou o ar como o
repuxo de uma fonte. – ‘... quando Fabiano chegou – e não se chamava Fabiano,
não tinha nome nenhum, foi ela q UEM
inventou esse nome para ele – a moça lhe foi logo tomando amizade’. A mulher se
chegou para mais perto de Gustavinho e o vento soprando por detrás, fazia com
que a capa se transformasse em duas grandes asas prestes a envolvê-lo. – ‘Como
ele era mais bonito, mais inquieto, e como os seus rugidos faziam todo mundo
tremer, até mesmo o domador quando se aproximava dele... foi preciso um ano
pára ele aprender a pular o obstáculo e se sentar depois no caixote listado.
Todos temiam Fabiano – menos ela, a moça do trapézio Era ela, e ninguém mais, quem lhe dava a
comida e quando ia à rua, trazia sempre doce, que Fabiano...’ e a mulher riu
novamente, curvando o busto para trás, ‘... não gosta somente de carne fresca’.
Gustavinho respirava constrangido o cheiro desagradável que vinha da jaula,
misturado ao perfume que a mulher usava. – ‘Todo o circo se admirava da coragem
daquela moça quando ela metia os braços na jaula e acariciava a juba de
Fabiano. Vinham espiá-la, o domador se mordia de inveja... até que chegou
aquela tarde terrível’.
(Nesse
momento iam chegando em casa a mulher alta de mãos magras e calosas e a menina
triste com o vestido de rosas desbotadas que por segundos se tingiram de
sangue. A menina segurou os braços da mãe e falou: - ‘Mamãe, eu tenho medo,
mamãe’ e a mãe lhe respondeu; - ‘Já estamos em casa, menina’).
-
‘A moça foi ver Fabiano, tão contente ela estava, trazia um pacote de doces,
Fabiano ia abrindo a boca e ela jogando os doces lá dentro’. Gustavinho sentia
o corpo da moça quase colado ao seu, uma sensação de mal-estar produzia-lhe uma
leve náusea. – ‘Depois ela ficou acariciando a juba de Fabiano, alisando-lhe o
focinho – e havia gente por perto e todos olhavam boquiabertos a intimidade da
moça com o leão – e quando ela quis puxar o braço era tarde...’ Gustavinho
mantinha os olhos baixos, calculava o caminho que deveria tomar se pudesse
fugir. – ‘...ah, quando as pessoas vieram acudi-la, a moça foi carregada sem
sentidos... suas mãos tinham sido destruídas pelos dentes de Fabiano’.
Sempre
com olhos semicerrados, Gustavinho sentiu o frio dos lábios que o beijavam de
chofre e o frio dos dois ganchos de metal que apertavam-lhe as costas, quase a
feri-lo. O leão levantara-se na jaula e rugia num urro longo e cadenciado. A
noite era de vidro – toda cintilações de estrelas, lua e gás neon”.
Boa leitura.
O Editor
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.
Aplausos. Maravilhoso modo de escrever.
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