O invicto
* Por Gustavo do Carmo
Victor já nasceu um vencedor. Foi
o primeiro bebê do ano e por isso seus pais ganharam um bom prêmio de um fabricante
de fraldas. Também o elegeram a criança mais bonita do bairro de Bonsucesso, da
cidade do Rio de Janeiro e do Brasil.
Aos quatro anos foi a mesma
coisa. Nunca perdeu um concurso infantil de beleza em sua vida. Quando entrou
para a escola, no ano seguinte, participou e ganhou um concurso de desenho.
Aos oito, entrou para a escolinha
de futebol. Sem posição de linha no time, virou goleiro. Não tomou um gol
enquanto jogava e ganhava concursos de redação e olimpíadas de matemática no
primeiro grau colegial.
A adolescência chegou junto com
uma miopia galopante e espinhas borbulhantes. A beleza campeã foi embora com a
infância. Deu lugar a feiúra. Mesmo assim, Victor não deixou de ser um
vencedor. Participou brincando de uma competição de homem mais feio do país. A
decisão dos jurados foi unânime.
Aos vinte, entrou para a
faculdade de direito. Até então, jogava no time do colégio de ensino médio,
várias vezes campeão invicto dos torneios inter-colegiais, além de ter passado
por todas as categorias de base do futebol de campo. Quase se tornou um jogador
profissional. Encerrou a carreira sem tomar um gol.
Cinco anos depois estava formado
como advogado. A fealdade foi embora junto com as espinhas expulsas por um
tratamento de pele e a miopia exorcizada por uma cirurgia ocular. Ainda como
estagiário, ganhou o seu primeiro processo civil. Primeiro de muitos. Aos quarenta
anos de idade venceu o milésimo processo por danos morais.
A beleza já voltara quando
casou-se com Sofia, sua primeira namorada fixa. Na adolescência, feio como era,
não ousou paquerar ninguém. Mesmo assim, conquistou Orlaine Regina, a empregada
de sua casa que era dentuça, queixo pontudo, nariz rebaixado e olhos fundos.
Claro que Victor fugia dela. E mais uma vez se saiu vencedor.
Tão logo livrou-se das espinhas e
do óculos virou um galã de cinema.
Um conquistador nato. Sofia foi
apenas a vigésima moça bonita que passou pelo seu currículo, digo, seu caminho.
Com ela teve duas filhas: Laureane e Vitória.
Comemorava o seu aniversário de
quatro décadas e meia quando veio a sua primeira derrota. No campeonato entre
amigos de futebol society perdeu a
sua invencibilidade de goleiro. Mas isso não abateu Victor. Ele não jogava
desde quando saiu do ensino médio. Seu time ganhou por 4 a 1. Um mês depois, levou
três gols e o inédito duplo revés: o jogo e o torneio. Mas isso não o abateu.
Victor perdeu a sua
invencibilidade profissional anos depois. Era um julgamento difícil. Atuou na
defesa de um fazendeiro influente que matou um inimigo político a sangue frio.
Mesmo com sua competência e a tendência da justiça do país, o réu foi condenado
por unanimidade não só por homicídio, como também por grilagem de terras. Mas
Victor ainda não se abateu.
Por causa das ameaças do
ex-cliente, mudou-se com mulher e filhas para a fria Noruega. Lá, mesmo casado,
encantou-se por Danika, uma bela nativa de olhos azuis cor do mar e cabelos
pretos nanquim, pele branca como neve e amiga de Laureane, a filha mais velha
adolescente. Perdeu também a invencibilidade de conquistador. Desta vez, Victor
se abateu. Literalmente com roleta russa, que acertou o alvo na primeira e
última tentativa.
* Jornalista
e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias
que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos -
Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores
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