Consultório sentimental
* Por
Marcelo Sguassábia
- Promete que fica só entre a gente?
- Lógico. Prometo, em nome da ética médica.
- Então tá. É que... estou tendo um caso clínico.
- Jura? Alguém da área?
- Ahã. Olha só essa radiografia que a gente tirou no último fim de
semana prolongado.
- Nossa, que pulmões. E a faringe, então... Esse pomo de adão, tão
proeminente. Que sorte a sua heim, colega. Isso aqui é objeto de estudo pra um
simpósio internacional. Merece abordagem multidisciplinar.
- Quando olhei aqueles globos oculares, sem nenhum grauzinho de miopia
ou astigmatismo, quase tive uma síncope. Foi adrenalina na veia. Observe essa
ressonância magnética. Fala a verdade: que omoplata! Dá pra ficar
assintomática? Você sabe que quadros dessa natureza provocam desde espasmos
involuntários até a perda momentânea da consciência.
- É, ele é muito parassimpático.
- Parassimpático? Aquilo é uma aula de anatomia. Desequilibra o nível de
estrógeno de qualquer mulher.
- E aí, conta. Partiu pra um exame mais detalhado? Na sua residência
médica ou na dele? Conta, conta.
- Fiquei anestesiada. Quando dei por mim, já estávamos na maca.
- Nossa, assim na primeira consulta?
- Pra você ver. Confesso que no começo foi difícil me manter estável. A
pressão chegava a 25 por 13, o coração a 140 por minuto.
- E daí pra frente? Qual a posologia?
- No mínimo três vezes ao dia.
- E nada de repouso entre uma e outra?
- Nadinha, menina. Uma febre que não passava. Depois os sintomas foram
desaparecendo, e toda aquela convulsão toda evoluiu para uma forte e
inexplicável letargia. Parecia uma espécie de maleita, com frequentes episódios
de apneia.
- É, já vi relatos semelhantes. E aí, deixou de apresentar sinais
vitais?
- Falência múltipla. Estado terminal, ao que tudo indica.
- Marcou retorno?
- O pior é que não. Ele me usou, não vou me conformar em ser mais uma na
história clínica dele.
- Não estressa, não. E se por acaso ele agendar um horário, faz um
charme. Dá uma de difícil, deixa o bonitinho na sala de espera. Como eu fiz com
aquele judoca tarja preta, que me causava dependência. Eu sei como são essas
coisas. Precisando de um ombro amigo, estou aqui de plantão.
- Valeu, obrigada mesmo.
- Só me promete uma coisa.
- Fala.
- Se der enjôo, manda ele pro meu consultório. É sempre bom uma segunda
opinião.
- Sua Hipócrates!
* Marcelo Sguassábia é
redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Dez mil! Sensacional!
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