Um Van Gogh pernambucano
*Por
José Calvino
O meu amigo
Azambujanra, esse vangoghiano modesto, é um artista com as mãos (sobretudo os
dedos), de um artesão solitário e que, com muito amor, paciência e dedicação
produz caranguejos, amoré, aratu, siri, chié e muitas espécies de aves que são
habitantes temporárias dos manguezais. Os guarás, as garças, maçaricos... tudo,
enfim, é feito de garrafas plásticas, tampas de garrafa, palitos de picolé
(arte & reciclagem) e esculpidos à mão. Na minha adolescência Azambujanra
foi o meu confidente. Quase sempre conversa comigo e domingo (final da Copa das
Confederações) à tardinha, ele chegou em minha residência dizendo que o craque
Neymar iria fazer “Caldeirão” (referindo-se ao ex-jogador Calderon), por ter
sido contratado pelo Barcelona. Concordando com a decisão da presidenta Dilma
de não viajar ao Rio de Janeiro para a final no Maracanã entre Brasil x Espanha.
Relembrou que o então presidente Médici, na época dos anos de chumbo e do “Pra
frente Brasil”, freqüentava o Maracanã e que, enquanto os torcedores o
aplaudiam muitos estavam sendo torturados nos porões da ditadura militar.
Sinceramente, eu quero ver o Brasil campeão em educação, saúde e emprego digno.
Resolvemos então ir ao bar do espanhol assistir ao jogo, antes porém, ele como
é muito animado começou cantando uma marchinha carnavalesca (o espanhol gostou)
composta por João de Barro (Braguinha):
“... Eu conheci uma
espanhola/Natural da Catalunha/Queria que eu tocasse castanhola/E pegasse touro
à unha...”
O resultado todos nós
sabemos, não houve o “Caldeirão”suposto pelo meu amigo e o Brasil ganhou de
3x0... Mas, aí já é outra história.
Espero que não aconteça
com Azambujanra o que houve com o pintor impressionista do século, o holandês
William Van Gogh, que só depois de morto teve seus quadros alcançado a glória e
a fama e hoje são vendidos em leilões por uma fortuna. Azambujanra não me vende
as suas esculturas, me presenteia. Mais das vezes eu o vejo perambulando pelas
ruas do bairro de Casa Amarela, embriagado, revoltado com a vida. Isso me
preocupa, já foi internado na ex-Casa de Saúde para doentes mentais em Casa
Forte, zona Norte do Recife. Acredito que há inúmeros Van Gogh’s por aí.
*Escritor, poeta e
teatrólogo. Blog Fiteiro Cultural –HTTP://josecalvino.blogspot.com/
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