Filhos
e livros
Os
livros que escrevemos, como os filhos que geramos, não são propriedades nossas,
como às vezes tolamente supomos. Ambos são gerados não para o nosso prazer e
orgulho, mas para o mundo. Os primeiros, ficam mais tempo conosco. Criamo-los,
educamo-los, preparamos seus corpos, almas e intelectos para enfrentarem as
vicissitudes da vida, mas quase sempre nos esquecemos de que um dia teremos de
nos separar e que todo o investimento que fizermos neles, tanto o financeiro quanto
o afetivo, não nos trará nenhum retorno, a não ser a satisfação do dever
cumprido. Ainda teremos muita sorte se não nos trouxerem aborrecimentos e tudo
terminar em "empate".
Num
determinado dia, os filhos – que nos deram tantos gastos e preocupações –
deixam a nossa tutela, livram-se da nossa autoridade paterna e saem das nossas
casas, para o mundo, em geral para constituírem suas próprias famílias, gerarem
seus próprios filhos e repetirem, com eles, com uma ou outra variação, tudo o
que nós fizemos para assegurar a sua formação. É o ciclo da vida que se repete
ao longo de gerações.
É
certo que alguns nos visitam. A princípio, com relativa regularidade. Depois,
vão espaçando cada vez mais esses encontros até que, muitas vezes, em virtude
de circunstâncias várias, cheguem a ser de anos ou de décadas ou até mais do
que isso. Claro que estamos nos referindo a pais e a filhos
"normais". Existem exceções nos dois sentidos. Ou seja, casos em que
nunca ocorre essa separação e outros em que ela é irreversível e definitiva.
Há
situações em que ambos se separam imediatamente após a concepção da criança, ou
na tenra infância desta, em circunstâncias dramáticas, que não cabe discutir
aqui, e para sempre. Nunca mais seus caminhos tornam a se cruzar. É como se um
jamais haja existido para o outro. Não são raros os casos em que pais jamais
sequer viram seus filhos legítimos e vice-versa.
Com
livros, guardadas as devidas proporções, ocorre o mesmo tipo de separação
(menos este último, pois não há como o escritor produzir uma obra que nunca
tenha visto). São nossos enquanto os
estamos "gerando". Logo chega a hora de cortar o "cordão
umbilical". Num certo momento, salvo direitos de comercialização, as
idéias neles expostas tornam-se de domínio público. Deixam de ser nossas.
Mas
há uma diferença fundamental: enquanto os filhos precisam da união carnal de
duas pessoas, de sexos opostos, para serem gerados, livros "geramos"
sozinhos. Trata-se de uma concepção e de
um "parto" solitários. Alguns (a maioria) nos dão prazer imenso
quando estão sendo concebidos, mesmo naqueles períodos trabalhosos e incertos,
em que estão sendo escritos. Outros, nem tanto. Exigem tempo e esforço, em
enfadonhas pesquisas, em busca da exatidão para que, como alguns filhos, não
venham a nos trazer vergonha e aborrecimentos no futuro.
Cobram-nos
horas e mais horas de escrita, de revisões, de emendas, de remendos e de
sucessivas redações. Mesmo estes livros problemáticos, no entanto, um dia ficam
prontos. Retornam das editoras impressos, coerentes, revisados, ilustrados e
com capas bem engendradas, "embalagens" cientificamente planejadas,
com a utilização das melhores técnicas de marketing, para atraírem a atenção de
descuidados e distraídos leitores nas prateleiras das livrarias.
E vêm as noites de
autógrafos, que equivalem, grosso modo, ao dia do casamento dos filhos. É a
véspera da sua emancipação. A tensão, a correria e o clima de festa são os
mesmos nos dois casos. São dezenas de convites a enviar, terno a escolher,
festa a preparar, exemplares a encaminhar aos críticos, amigos e parentes e aos
meios de comunicação (cada vez mais inacessíveis e arredios a livros), na
esperança, em geral frustrada, de merecer uma reles notinha que seja no pé de
alguma página do caderno de Variedades dos jornais diários. Depois...Fica tudo
por conta do acaso...
Há
surpresas (boas e más) no meio do caminho. Por mais experiente que seja o
escritor, nem sempre o que escreve, seja ficção ou realidade, satisfaz o gosto
de todos (ou pelo menos da maioria) dos leitores. Pudera! Na literatura, como
na vida, raramente (se é que existe quem consiga essa façanha), se consegue
"agradar a gregos e a troianos" Ora existem restrições ao estilo, ora
ao tema abordado, ora à ênfase deste ou daquele aspecto, ora a todos estes
fatores. O inverso, frise-se, também acontece. Ou seja, a produção de livros
que caem de imediato no gosto do público e, para a surpresa do autor, viram
"best-sellers", da noite para o dia. Quando isso ocorre, esgotam-se
edições e mais edições. O escritor até "corre o risco" de ser lançado
candidato ao Prêmio Nobel de Literatura e de ganhar.
Que
não se tente entender, e muito menos explicar, o gosto do público. Ele não tem
lógica. Não há novidade alguma no fato de notórios canastrões
"estourarem", em termos de sucesso e de vendas, e ficarem
milionários, escrevendo, de forma banal, sobre temas idiotas, que não exigem
nenhuma reflexão para serem compreendidos. E nem de gênios jamais conseguirem
aparecer. É como ocorre com alguns filhos, que julgamos que sejam idiotas, ou
no mínimo abobalhados, e que, subitamente, enriquecem, passando para trás os
irmãos considerados geniais. Até nisso a comparação procede.
Boa leitura
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Não entendemos bem nem a nós mesmos, muito menos filhos e livros. Forçando um pouco, pode-se também levar essa comparação aos políticos, especialmente aos que parecem abobalhados e fazem muito sucesso.
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