As amantes de Maurício de Nassau
* Por Leonardo Dantas Silva
Anos antes de seu regresso do Brasil, diante do
Conselho dos XI da Companhia das Índias Ocidentais, o Conde João Maurício de
Nassau vinha sofrendo contínuo desgaste originário de acusações das mais
diversas de seus invejosos inimigos, dentre os quais o capitão Charles Tourlon
Jr. que o acusava de haver se apropriado de sua mulher.
Apesar de nunca haver casado, João Maurício
sempre nutriu um saudável interesse pelo sexo oposto. Inicialmente por Margarida
Soler, a filha do pregador calvinista Vicent Joachim Soler, apontada como sua
amante pelo frei Manuel Calado, tendo desprezado esta pelos amores da filha do
sargento-mor Cornélio Bayer.
O seu caso mais propagado foi com Dona Anna Paes
d’ Altro (c.1617-1674), rica senhora de nobre linhagem, proprietária do Engenho
Casa Forte, que era casada com o capitão Charles Tourlon, de sua guarda
pessoal.
Dela se conhece uma carta de seu próprio punho
oferecendo ao Conde de Nassau “seis caixas de açúcar branco”. No documento, a
signatária se nomeia: “De vossa excelência a muito obediente cativa Dona Anna
Paes”. Para frei Manuel Calado, cuja pena não poupava ninguém do seu tempo, era
Anna Paes “a mais desenvolta mulher de quantas houve no tempo deste cativeiro na
capitania de Pernambuco”.
Divulgada pela primeira vez por José Higino
Duarte Pereira, no nº. 30 da Revista do Instituto Arqueológico Pernambucano
(Recife, 1886), transcrita com correções por José Antônio Gonsalves de Mello,
em 1947, a carta em questão, numa leitura livre do português em uso nos nossos
dias, teria o seguinte teor:
Ilmo. Snr. – Como nós devemos
toda a obediência a nossos superiores tanto mais a vossa excelência de quem
temos recebido tantas honras e mercês, assim que este ânimo me faz tomar atrevimento
de pedir a vossa excelência queira aceitar seis caixas de açúcar branco,
perdoando-me vossa excelência o atrevimento (que meu ânimo é de servir a vossa
excelência) e fico pedindo que Deus aumente a vida e estado de vossa excelência
para amparo de suas cativas. De vossa excelência a muito obediente cativa Dona
Anna Paes.
Porém, no que diz respeito aos pormenores do
affaire de Tourlon com o Conde de Nassau, estes só aparecem com mais detalhes
no livro do historiador holandês Harald S. van der Straaten:
Mais tarde teria um
tempestuoso caso com a mui atraente viúva de um rico açucareiro, Pedro Correia
da Silva, Dona Anna Paes. Quando o relacionamento com essa rica e poderosa
mulher, a ex-noiva do líder rebelde português André Vidal de Negreiros parecia
tornar-se um compromisso sério para João Maurício, ele deixou-a casar com o
beberrão Karel (sic) Tourlon, que assim adquiriu distinção social bem como um
atrativo e conveniente posto. Foi indicado comandante da guarda pessoal do
governador geral e secretário de governo. Sob a cobertura dessa união legal o
caso de João Maurício com Anna Paes podia prosseguir sem perturbação, um fato
que agravou amargamente o novo marido. Quando Tourlon depois de certo tempo
descobriu o que estava acontecendo entre sua esposa e seu empregador ele
elaborou um selvagem relatório sobre a vida amorosa de João Maurício para o
conde Frederick Henry [príncipe Frederico Henrique, chefe da Casa de Orange,
parente e protetor do Conde de Nassau], o qual acrescentou que João Maurício tinha
o hábito de cercar-se de portugueses de duvidosa estirpe que seriamente
ameaçavam aos interesses da população holandesa e que se enriqueciam
escandalosamente à custa dos membros mais pobres da sociedade. João Maurício
foi chamado à razão pelos diretores. Ao ser interrogado Tourlon confessou. Foi
prontamente dispensado de seus postos e colocado no primeiro navio de volta à
Holanda. ¹
Sem abordar os acontecimentos ligados à vida
privada e sentimental do Conde de Nassau, José Antônio Gonsalves de Mello nos
revela preciosos informes acerca de Charles de Tourlon, o moço. Tinha ele o
mesmo nome de seu pai, que se passara para o lado dos espanhóis em Flandres.
Tourlon, que servira “no Brasil desde os primeiros anos da conquista; em 3 de
abril de 1643 foi preso por Nassau, como suspeito de cumplicidade com
brasileiros em uma revolta contra os holandeses”. Remetido para Holanda, ao fim
do inquérito a que veio responder, nada se comprovou de tais acusações,
sendo-lhe permitido voltar ao Brasil, não mais como militar, segundo o Dag.
Notule de 21 de novembro do mesmo ano. Do seu casamento com Dona Anna Paes
nasceram dois filhos: Isabella e Kornelius Tourlon. Morto Tourlon em fevereiro
de 1644, sua viúva, Anna Paes, torna a casar desta vez com Gijsbert de With,
Conselheiro de Justiça, conforme comunicado deste ao Alto Conselho datado de 29
de abril de 1645. Naquela ocasião o então pretendente informara que “a sua
futura esposa já no tempo do seu anterior casamento tinha demonstrado ser mais
favorável à nossa nação que a dos portugueses”. ²
A cerimônia do casamento aconteceu na igreja
calvinista de Maurícia, em 14 de maio do mesmo ano, comunidade da qual Dona
Anna Paes fazia parte. Na mesma igreja foram batizados os filhos das suas duas
últimas uniões: Isabella Tourlon, em 27 de novembro de 1643; Kornelius Tourlon,
em 3 de julho de 1647, e Elizabeth de With, em 28 de setembro de 1650.
Em 1653, quando do retorno do conselheiro
Gijsbert de With à Holanda, Dona Anna Paes, juntamente com os filhos havidos
nos seus dois casamentos, acompanhou o marido fixando residência em Dordrecht,
aonde veio a falecer em 21 de dezembro de 1674.
Em se falando das aventuras amorosas de João
Maurício, estas o acompanharam por toda existência. Após o seu retorno à
Europa, lembram os escritores José Van den Besselaar e Evaldo Cabral de Mello
às suas ligações com Agnes Geertruyde van Bylandt, esposa do mordomo-mor do
Grande Eleitor de Brandemburgo em Cleve, Johan von Coenen von Zegenwerp und
Lohe, cuja imagem chega aos nossos dias graças ao seu retrato (Retrato de uma
patrícia diante do anfiteatro), pintada por Jan de Baen, atualmente conservado
no museu daquela cidade da Alemanha.
Para ela João Maurício deixara a Prinzenhoff uma
magnífica casa por ele construída em estilo clássico, concluída em 1671, na
Goldstrasse, cujo interior era decorado com telas produzidas por Albert
Eckhout. “Com dois pavilhões flanqueando um corpo principal”, encravada em uma
singular propriedade, com vistas de Cleve e do vale do Reno, “graças ao jardim
em meia-lua escalonado em terraços”, tendo ao lado ‘uma das mais bonitas cercas
de pinheiros do mundo’, segundo um viajante inglês e sendo prolongado, do
outro, pelo parque de carvalhos, faias e amieiros que se estendiam até
Freudenberg. Após o falecimento de Agnes Geertruyde, em 1678, a propriedade
passou para um dos seus herdeiros que se encarregou do loteamento e conseqüente
venda do seu terreno. ³
A vida amorosa de Maurício está por escrever
ainda, e talvez seja impossível reconstruí-la, porque neste terreno é muito
difícil separar os boatos mexeriqueiros de informações seguras e objetivas. Só
podemos dizer que Maurício, ao contrário de muitos outros príncipes da sua
época, não deixou bastardos conhecidos como tais. 4
___________________
¹ STRAATEN, Harald S. van der. Brasil : Um destino. Tradução de Lace Medeiros Breyer. Brasília: Instituto Cultural Maurício de Nassau; Linha Gráfica Editora, 1998. p. 108.
² MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil. Op. Cit. p. 142, nota 51.
³ MELLO, Evaldo Cabral de. Nassau: governador do Brasil Holandês. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p.256.
4) BESSELAR, José Van den. Mauricio de Nassau, esse desconhecido. Op. cit., p. 79-80.
¹ STRAATEN, Harald S. van der. Brasil : Um destino. Tradução de Lace Medeiros Breyer. Brasília: Instituto Cultural Maurício de Nassau; Linha Gráfica Editora, 1998. p. 108.
² MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil. Op. Cit. p. 142, nota 51.
³ MELLO, Evaldo Cabral de. Nassau: governador do Brasil Holandês. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p.256.
4) BESSELAR, José Van den. Mauricio de Nassau, esse desconhecido. Op. cit., p. 79-80.
*
Jornalista e escritor do Recife/PE
Nenhum comentário:
Postar um comentário