terça-feira, 16 de julho de 2013

Os lobos e os cordeiros

* Por Nelly Carvalho

Quando estudávamos latim, com as fábulas de Fedro aprendemos que “ad rivum eundem lupus et agnus venerant siti compulsi” . Tínhamos dificuldades em traduzir, mas entendemos que o lobo e o cordeiro vieram ao mesmo rio, compelidos pela sede. O desafio do texto latino levou-nos a entender que o lobo estava perto da nascente e o cordeiro bem longe. A vantagem sempre era do lobo. O cordeiro bebia suas sobras. Por isso, nós, leitores (e eleitores), tanto quanto o cordeiro,ficamos surpresos quando o lobo reclamou, do manso animal, por sujar sua água.Este, humilde, porém verdadeiro, mostrou-lhe o absurdo da reclamação. O lobo, repelido pela força da verdade, não se calou e invocando uma divindade, Hércules, (já então se cometia injustiças com invocações a entidades e motivos superiores) disse que se não foi ele, tinha sido o seu pai e despedaçou o cordeiro, arrebatando-o com morte injusta. Fedro conclui que a história mostra que os poderosos sempre oprimem os demais, o povo. usando pretextos falsos. Com essa fábula, aprendemos mais que o latim. Aprendemos a ler os episódios da história dos homens, constatando a opressão dos poderosos e sua busca de pretexto para ações predatórias, mascarando-as com uma justificativas edificantes, quando se trata de defender interesses indefensáveis.

A fábula adapta-se como uma luva à história de vários tiranos, na sua caminhada de enganação, falsas promessas e corrupção generalizada. A justificativa, qual a água suja do lobo, há muito que já perdeu a credibilidade, ao se evidenciar a falsidade dos argumentos, cortina de fumaça que não encobre a verdade dos fatos e a enganação com que são envolvidos os cordeiros, o povo, vítima desamparada. O grupo-chefe não procede exatamente como o lobo da fábula. A predação atual é diferente, os pretextos são mais absurdos e enganadores, mas revelam-se tão frágeis e falsos quanto os do lobo. Palavras como,plebiscito, democracia e liberdade tornam-se ocas, usadas para iludir e encobrir o autoritarismo.A democracia é um instrumento poderoso que os lobos não conhecem, nem praticam.Vale aqui repetir a imprecação: Democracia , quantos crimes cometem-se em teu nome!

Como Hemingway, repetimos:-Não me perguntes por quem os sinos dobram, dobram por nós e por todos os que assistem impotentes, um final, mutatis mutandi, idêntico à fabula de Fedro.


* Escritora e doutora em Letras

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