Jornal do caos
* Por Ronaldo Bressane.
Júpiter
Desde cedo, resolvi também não sair hoje. Meus
braços doíam pra caralho, principalmente o esquerdo, de tanto escrever. E
rasgar. Empilhei o quarto envelope de notícias sem o abrir – gravidade, órbita,
força de vontade, seus débeis mentais –, acendi um back, enfiei um frontal pela
goela, espiei por detrás da veneziana e saquei, do outro lado da janela do
prédio oposto ao meu, dois caras observando atentos meu loft. Tinha reparado
pela manhã, ao voltar da padaria, que os caras conversavam com os vigias do meu
prédio, alguns dias antes. Conversavam também com o taxista que eu costumava
pegar. Estariam me vigiando? Cerro as cortinas, brusco. Sempre há repórteres
investigando fatos. Alguma relação com o incêndio? Serão do jornal em que
trabalho? Da festa em que fui outra noite? Volto às venezianas: os espiões
deram o pinote. Terão existido?
(Pare. Não leia mais nada. Esqueça as palavras. Não
interprete mais nada. Feche este diário. Por favor).
Da Reportagem Local – O Agente Especial, 25,
paulistano, esperou até ficar muito tarde. Às duas da manhã, foi à rua Original
armado de uma chave de fenda e de uma faca de cozinha. O casal estava na cama.
O Agente Especial cravou a chave de fenda no coração de F. S, 79, e estuprou
I.R.S., 60, enquanto lhe apontava a faca. Chegou ao orgasmo cerca de quinze
minutos depois. Durante o ato, F.G.I. ao lado “ainda sangrava”, segundo o
Agente contou a este jornal.
Ele cortou fora a cabeça de I.R.S., e da garganta
“da mulher escapou um cavalo alado”, relatou. Enquanto vagava, “obtuso”, pela
pequena casa, o Agente descobriu um porão onde haveria um presépio dentro de
uma estufa – um porco, uma vaca, um boi. Num carrinho de supermercado, um
poodletoy branco. Achou melhor ir embora: “afinal, em breve chegariam os reis
magos”, disse. Então, correu de volta para casa, as mãos ensangüentadas, com
medo de ser encontrado por uma viatura policial.
Batismo – São três da manhã e o Agente
Especial ainda não consegue apagar as luzes de seu apartamento: “talvez, as
apague amanhã”, diz. Toma um comprimido de zoloft, pega a ração para os iguanas
e a come, enquanto observa seus animais cada vez mais magros no aquário.
“Preciso levá-los amanhã à igreja”, declara, em voz alta. “Não posso mantê-los
pagãos, devo batizá-los logo”, afirma.
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Quarta parte de “Jornal do
caos”, conto de Céu de Lúcifer
[Azougue Editorial, 2003]
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