A menina e o pássaro encantado
* Por
Rubem Alves
Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu
melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca
mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia
saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre
pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa
vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…
— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de
neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se
ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos
das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como
presente para ti…
E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias
daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que
voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele
pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e
por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E
vou chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também
vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós
precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da
saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas
penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um
pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando
se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada:
“Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não
mais terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de
prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou
finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para
contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente,
para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a
abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto.
As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade,
o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi
isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram
as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas
transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o
pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito
ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir
para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade,
muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com
saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás
mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a
cada dia que passava a saudade crescia.
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar
encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e
colocava uma flor na jarra.
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando
encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e
de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se
ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz
com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.
* * *
Para o adulto que for ler esta
história para uma criança:
Esta é uma história sobre a
separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus…
Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade.
Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade.
Tudo se enche com a presença de uma
ausência.
Ah! Como seria bom se não houvesse
despedidas…
Alguns chegam a pensar em trancar em
gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre… Para que não
haja mais partidas…
Poucos sabem, entretanto, que é a
saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E
quando o desejo cresce, preparam-se os abraços.
Esta história, eu não a inventei.
Esta história, eu não a inventei.
Fiquei triste, vendo a tristeza de
uma criança que chorava uma despedida… E a história simplesmente apareceu
dentro de mim, quase pronta.
Para quê uma história? Quem não
compreende pensa que é para divertir. Mas não é isso.
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano.
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano.
Elas chamam as angústias pelos seus
nomes e dizem o medo em canções. Com isto, angústias e medos ficam mais mansos.
Claro que são para crianças.
Especialmente aquelas que moram
dentro de nós, e têm medo da solidão…
* Escritor, teólogo e educador
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