Sob o signo da brevidade
* Por Ângelo
Monteiro
Não foi
tão breve a vida do meu amigo Orley Mesquita. Mais breve é a poesia que deixou:
tão breve que já nasceu lapidar. Toda sua obra publicada - sem passarmos por
cima do poema O leopardo, inserto numa revista que só conheceu um número, Clave
- nos lembramos de duas coletâneas de versos: uma de 1978, O vocábulo das
horas, outra de 1981, Poemas em preto e branco.
Converteu-se
por isso num milagre, para a preservação de sua memória, o aparecimento de
Poesia e prosa/Orley Mesquita (Recife: Cepe, 2012), com organização, prefácio e
notas do professor e teórico de literatura Anco Márcio Tenório Vieira. A
edição, de capa dura ilustrada por um quadro de Ismael Caldas, conseguiu
despertar para a brevidade de tal mensagem a urgência que, infelizmente, seu
autor não pôde vislumbrar em vida.
Não há de
passar despercebida ao leitor exigente a atmosfera de tensão e de presságio
presente nessa escrita poética. O diálogo entre os homens e as coisas, bem como
dos homens entre si, é travado sempre com duas armas: o silêncio, que clama
para ser ouvido, e a ausência, que anseia ser desvelada, como sugere a estrofe
final de O duelo:
"Nos
pálidos campos do abandono
Já
crescem, sobre os nossos túmulos
O
indelével azinhavre da lua
E a hera
desfigurada dos sonhos."
O poeta
sabia que a linguagem da poesia detinha o condão de suprir as essências
incapturáveis por qualquer outro registro, como nos faz ver em A sala:
"Tua
ausência abriu três feridas em minha sala
Na minha
sala de estar
Na minha
sala de nunca estar
Na minha
sala de ter janelas para o mar
Para
amar."
De nada
se exime o poeta Orley Mesquita, de uma vez que o homem está presente em cada
uma das suas linhas, marcadas pelas pulsões de um renascentista perdido na
periferia de um império em decadência, levando-nos a lembrar o poema À espera
dos bárbaros, de Kaváfis, em que todos nos achamos preparados para recebê-los,
enquanto eles nada esperam de nós...
Mas, como
não existe uma transcendência imune à vida, ou à parte da existência humana,
talvez o poema O leopardo, ora republicado, exprima o sentido mais emblemático
dessa ligação que somos compelidos a estabelecer com a fragilidade das coisas e
a necessidade de ultrapassá-la, de acordo com os versos da estrofe inicial:
"Já
não me serve o príncipe/
O galgo
que nele habita
Este,
sim/Ladra em meu convívio
Posso não
ter a fera
Mas tenho
o amigo."
Por meio
de tais versos fazemos, também, uma saudação a outro poeta da mesma linhagem,
Everardo Norões, pela graça dessa publicação.
Publicado
no Jornal do Commercio, Recife, em 11/5/2013
* Poeta e filósofo
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