Que deselegante
* Por
Marcelo Sguassábia
- Óia, exprica
direito essa história aí pra mim.
- O senhor tem que
transmitir um certo verniz cultural, compreende? E no caso é só um verniz
mesmo, porque a madeira... é de caixote de verdura...
- O quê?
- Nada não, pensei
alto. Sorry.
- Ah...
- Vejamos, vamos
começar com a literatura. Aqui nesta parede da sala podemos providenciar uma
estante bem grande. Na prateleira mais visível precisamos de pelo menos uns
80cm de lombadas de Guimarães Rosa, mais um outro tanto de Machado e uns 50cm
no mínimo divididos entre Drummond e Pessoa.
- Mai que diacho de
pessoa é essa aí que a senhora falou?
- Para os russos,
seria de bom tom reservar uns dois metros ou mais de Dostoievsky, Tolstói e
Tchekov. Todos com lombada bem vistosa, clássica, se possível livros bastante
manuseados - pra dar um ar de intimidade do proprietário com as obras-primas.
Conheço um sebo que vende esse tipo de livro para decoração e cenário de
novela.
- Cerrrrrrrto.
- Fique tranquilo,
pois os meus serviços abrangem a busca de conteúdo atualizado, para que o
senhor fique inteirado de tudo o que acontece no circuito cultural -
literatura, música, artes plásticas e assim por diante. Eu vou encaminhando as
novidades em pequenos tópicos, para que o senhor as assimile e tenha suficiente
repertório para não passar vergonha nas rodas de intelectuais. Trouxe um aqui
um exemplo, veja só: "Vocês não acham que o último CD da pianista Maria
João Pires obscurece os dois anteriores?"
- Ah, esses aí eu
cunheço!! João e Maria, aqueles doi menino da casa de doce...
- Bem, continuando
as orientações. O senhor tem que falar as frases que enviarei e desaparecer
rapidinho, porque se alguém resolve lhe fazer uma pergunta as consequências
podem ser desastrosas. O procedimento seria mais ou menos assim: o senhor lança
uma determinada questão de natureza filosófica ou artística e o pessoal da
roda, além de se admirar com sua cultura, vai querer deitar erudição para não
ficar por baixo. E aí, enquanto eles se engalfinham, um querendo falar mais que
o outro, o senhor dá uma desculpa e se retira discretamente. Entendeu?
- Entendeu.
- Agora, tenha a
bondade de prestar atenção aqui, na tela do meu notebook.
- Ô, mai o rapai
que fez essa escurtura aí foi se inspirá no hospitar. Ó só, essa muié aí tá com
os braço amputado e a outra muié do quadro tá com o pé que parece uma jaca. Vai
vê que que é ácido úrico, só pode sê, pra ficar com os pé desse tamanho...
- Oh, my God.
- Cumé?
- Meu senhor, a
escultura é a célebre Vênus de Milo e o quadro é o Abaporu, obra máxima da
Tarsila do Amaral.
- Uia, é memo? E
tem quem compra esses estropiado aí? Ou então vai vê que na escurtura da muié
fartô pedra, por isso a coitada ficô sem os braço. O escurtô carculô mar.
- Vamos fazer do
senhor um apreciador de óperas, um entusiasta da cena lírica. Ou, pelo menos,
fingir que é. Ser amante de ópera é omust, meu caro. Ouça um trecho de
“La Bohème”, para ir se familiarizando.
- Eita berreiro
disgramado! Parece leitoa no abate essa dona aí. Esganiça forrrrrrrte.
- Mas que
deselegante. Please, contenha-se.
- Priss?? Eita...
* Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Caso perdido. Só se nascer de novo, para as artes. O entendimento dele é outro. O diálogo está autêntico.
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