* Por Mara Narciso
Desde antigamente existe o hábito de fim-de-ano de se fazer a brincadeira do amigo invisível. Há trocas em família, no dia de Natal, mas, dias antes, acontecem de forma mais interessante entre grupos de colegas de escola ou de trabalho. É feito um sorteio (brogodó, com papéis com os nomes dos participantes) entre as pessoas que querem trocar presentes, e a maioria prefere determinar o limite de preço. É preciso evitar o constrangimento dado por discrepâncias de valor do mimo ofertado e recebido, pois não é rara a exata troca de presentes, no toma lá, dá cá, quando uma pessoa sorteia a mesma que a tirou.
A intenção não é propriamente presentear, mas aproximar pessoas que, na maioria das vezes se conhece apenas no trabalho. Com o divertimento, reforça-se o entrosamento e a amizade, mesmo entre chefes e comandados, e a lembrancinha é apenas um pretexto para o jogo.
Não costuma ser fácil comprar algo de baixo custo e agradar alguém pouco conhecido em hábitos e gostos, ainda menos ao chefe. Algumas vezes não se conhece quase nada da pessoa em questão, partindo-se para amigos em comum para descobrir alguma coisa. Com o advento das redes sociais, ficou possível entrar na vida daquele que se pretende presentear, sendo fácil xeretar no seu mural. Alguma particularidade é mostrada pelas fotos, ou pelas postagens, fornecendo indícios sobre qual presente comprar.
De posse de informações básicas, parte-se para a compra, limitada pelo preço e pelo desconhecimento das predileções do outro. Costuma-se comprar livros e CDs, mas o risco é alto de dar um chute longe da trave. Opta-se por escolhas genéricas de cremes, sabonetes, xampus, camisetas, sandálias de borracha, dando-se preferência por objetos pessoais, e mais raramente coisas para a casa. Mais complicado fica quando é preciso comprar presente comum de dois gêneros para o caso de se deixar o sorteio para a hora da festa. Nesse caso, surge um festival de inutilidades como algumas canetas e agendas repetidas.
No dia da confraternização, o clímax é o momento do amigo invisível ou amigo secreto de antigamente, transmutado para amigo oculto. Escolhem-se quem vai começar e em seguida a pessoa vai à frente do grupo e fala características daquele que foi sorteado por ela. Costuma-se falar coisas marcantes do amigo, e em duas ou três frases a platéia já sabe quem é. É curioso observar como as pessoas que se conhecem pouco se veem umas às outras, e o que consideram relevante no seu colega.
O que a pessoa é e as considerações amigáveis relatadas, acabam sendo o fato e a versão do fato, nem sempre feita com rigor jornalístico. Ainda assim permite a dedução. No geral, por se tratar de fim-de-ano, ocasião em que se busca a paz entre os homens, não se costuma falar em defeitos, mas apenas em qualidades, enquanto os outros, mais ou menos atentos, acompanham a conversa e tiram fotos.
Não tenho o dom da oratória. Não sei começar um tema, de pé diante do público, dar um crescendo, ir ao topo, voltar e fechar. Sou limitada nisso, até pelas condições de timidez que me tolhem. Então, no amigo oculto quero terminar logo. Assim, mal chego à frente, não deixo espaço para nenhum suspense, e desaponto a plateia, pois já confesso a chave para a descoberta, numa frase que entrega o amigo secreto, não havendo chance para nenhuma adivinhação. Os presenteados não gostam, pois querem saber o que as pessoas próximas pensam dela, mesmo quando diz não ligar para o que dizem a seu respeito. É possível que a descrição do presenteado seja mais esperada do que o presente.
Dezembro é um mês atípico. Enquanto os trabalhadores do comércio correm de um lado para outro em suas lojas lotadas, depois do dia 15, algumas pessoas marcam consulta e não aparecem, para mais tarde avisar que estavam fazendo compras. É quando o arroz com pequi e as mangas engordam a população de forma visível, antes de começarem as novenas de Natal e as confraternizações dos diversos grupos, com seus indefectíveis amigos invisíveis. Acontecem tantas comemorações e encontros, que há ocorrência de datas coincidentes até mesmo entre os menos sociáveis como eu.
Melhor não falar no consumismo nem na falsidade, para não estragar o espírito de Natal. E assim, na pressa de encerrar o ano com mais festa, muitos se formam e se casam, deixando o lado desconfortável como problemas com justiça, dinheiro e saúde, para depois que 2013 chegar.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/
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