terça-feira, 26 de maio de 2009




“Pare o mundo que eu quero descer...”

* Por Risomar Fasanaro


Eu já estava com minha crônica pronta sexta-feira, só faltava dar uma burilada no sábado e no domingo para enviar ao nosso Editor Pedro Bondaczuk. Enquanto isso lia um jornal, visitava alguns portais e blogs. Pois é... Foi aí que esbarrei em algumas notícias que me levaram a sentir vontade de sair pela rua desgrenhada, nua e descalça, cantando como o filósofo Sílvio Brito aquela canção em que ele diz “pare o mundo que eu quero descer”...

Meu surto teve início quando li no Guia do “Estadão” que Meg Souza de 28 anos, realizaria naquele dia a Festa do Divorcio, modalidade de festejo que eu não conhecia e que, segundo o jornal, “já acontece muito”. E mais: que a moça quis uma grande festa com direito a vestido de noiva, véu, grinalda e buquê. E dizia também que a anfitriã chegaria (chegou?) em um Ford Vitoria, de 1934. E que a comemoração onde haveria com certeza muita bebida, e muita comida, a trilha sonora ficaria por conta da Banda Usina. Como diria minha mãe, se fosse viva: é o final dos tempos...

Não vou comentar o que penso sobre separação, pois receio que chovam cartas endereçadas à dinossaura que eles pensavam estar extinta do planeta azulzinho: eu.

A segunda notícia, mais grave, é da ex-namoradinha do Brasil, aquela doce mocinha que nos encantava nos anos sessenta, que sentiu medo do Lula porque afinal ele não era tão bonito quanto o candidato em que ella (assim mesmo, com ll) iria votar.

Pois é, agora a moça voltou a sentir medo. E sabe de quem? Dos índios!!! Dos nossos índios. Daqueles que um dia foram enganados por brancos com espelhinhos e outras bugigangas, e confiaram tanto naqueles brancos invasores de suas terras que, convidados por eles foram nadando até uma das naus, comeram e dormiram lá mesmo, no restaurante de uma das embarcações.

Isso está na “Carta de Caminha”. Quem quiser é só ler e conferir. Aliás, acho esta passagem que conta que eles dormiram no navio, a mais bonita de toda a carta. Por quê? Porque quando a gente dorme em um local de gente estranha – no caso uma das naus de Cabral – é porque confia totalmente na(s) pessoa(s) que vivem naquele ambiente.

Sabe, acho que a atriz que trabalha no canal de tevê de maior penetração no país está certa. Só que está certa do lado errado. Se nossos índios tivessem pensado como ela, não teriam confiado naqueles brancos que aqui chegaram e, quem sabe, a historia tivesse sido diferente.

É duro saber que um dia admirei aquela mulher que era “a namoradinha do Brasil” e que hoje virou essa coisa insensível, que talvez nem saiba dos suicídios em massa que aconteceram entre os índios do Brasil central.

Mas nem só de bonequinhas de luxo se fez minha revolta e minha vontade de parar o mundo para eu descer. Pra completar me chega uma mensagem do Delson Plácido, Diretor de Comunicação da Câmara dos Deputados, que o grande Alípio Freire me encaminhou com uma carta do Grupo Tortura Nunca Mais, denunciando que o deputado federal Jair Bolsonaro tem colado em sua porta um cartaz em que aparece um cachorro com um osso na boca ilustrando a frase: “Desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, quem gosta de osso é cachorro”.

É isso. É este o pais em que vivemos. É este um deputado que recebe um alto salário para representar o povo. É esta a nossa época. Não vou comentar. Em meu silêncio sintam a revolta de todos que perderam seus entes queridos naquela ditadura que assassinou inúmeros jovens. Eu perdi Helenira Resende, que não era apenas minha colega no curso de Letras, era minha amiga. Eu não gosto de ossos, deputado. Não gosto de ossos! Eu queria que minha amiga assim como tantos outros assassinados estivesse viva. Eu clamo por justiça, deputado. Por Justiça!

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

5 comentários:

  1. Um brado de indignação que emociona e contagia - um atestado de sanidade mental e espiritual de alguém que se sabe brasileira aqui e agora. O Brasil é assustador, é país de risco, qualquer contato com ele pode ser fatal. Por isso, caluda, cara Risomar. Vc cintila de tanta lucidez, mas considere que, às vezes, melhor é não saber, que a loucura está aí mesmo de braços abertos para nós. Considere ainda que há sempre o outro lado: milhões e milhões de brasileiros que fazem coisas lindas (de um carinho nos filhos até a resistência às facilidades lucrativas), mas não saem nos jornais. O que desconhecemos tb existe. Parabéns pelo inconformismo.

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  2. Nossa, Daniel, que comentario lindo e preciso. E saber de quem vem, me força a resistir à vaidade.
    Você tem razão. Nosso povo é honesto e bom, merece uma realidade à altura. Vai ver se nas favelas alguém promove festa quando o marido vai embora e deixa à mãe o sustento de 3, 4 filhos.
    E pergunta se alguém tem medo de índios...Ou se despreza tanto o sentimento dos familiares dos que morrem muitas vezes inocentes, durante as "batidas" policiais...
    Obrigada, Daniel!r este comentario hoje.
    Um beijo

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  3. Corrigindo:
    após "policiais,,," escrevi: eu precisava ler este comentario hoje.

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  4. Seu texto de hoje está com uma inteligência e uma sensibilidade descomunal, Risomar. De hoje?! Bem, o fato é que quanto mais o calendário do mundo fica antigo mais a música do Sílvio Brito faz sentido. E cadê ele??? Bem, ele tem que ficar escondido na cultura nacional para que "gênios" como Ivete Sangalo, Daniel, Zezé Di Camargo e Luciano, Preta Gil, entre outros, fiquem em evidência. Não tenho nada contra os outros - até tenho contra alguns, mas me calo nesse momento. Mas os artistas brasileiros de verdade também mereciam ter seu espaço. 27 beijos, Risomar.

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  5. É, Fabio, parece que o mundo de hoje dá grande valor à mediocridade. Outro dia fiquei indignada: uma amiga professora comentou uma música de Chico Buarque em uma sala de 8ª série (olha só, não era de nenhum anônimo...)era do Chico!!! E os alunos perguntaram: "professora, quem é esse Chico Buarque?" É preciso dizer mais alguma coisa?
    29 beijos
    29 beijos

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