quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Em ritmo de renovação - Pedro J. Bondaczuk


Em ritmo de renovação


* Por Pedro J. Bondaczuk


A literatura brasileira – como, ademais, ocorre em tantas outras atividades, neste país tão promissor – está em constante renovação. Volta e meia surgem novos escritores no panorama literário nacional, cheio de idéias novas e sonhando conquistar seu lugar ao sol. Alguns (raros) logo se impõem e em pouco tempo tornam-se veteranos. Conquistam um público fiel, posto que quase sempre restrito. Outros tantos (a maioria), passam como cometas e após o primeiro livro, nunca mais ouvimos falar deles. O que falta aos nossos escritores é divulgação.

As coisas, nesse aspecto, já foram piores, muito piores. Com o advento da internet e sua consolidação, principalmente com o surgimento das redes sociais e dos milhões de blogs, novos e promissores canais de difusão de novidades, de ideias e, claro, de divulgação de livros estão, agora, à disposição dos escritores, quer dos veteranos, quer, e em especial, dos “principiantes” nessa fascinante (e frustrante) atividade artística.

De uns tempos para cá, venho tendo acesso – comprando, algumas vezes ou na maioria dos casos, ganhando suas publicações – a obras de autores há não muito desconhecidos, e não somente para mim, mas para o público leitor em geral. Nem todos são inéditos. Alguns têm várias obras publicadas, mas, por uma razão ou outra, não repercutiram e não emplacaram. A maioria, porém, é de jovens, sonhando, reitero, em conquistar seu lugar ao sol.

Encantei-me com um livro, que li em 2011, da jovem escritora Tatiana Salem Levy, intitulado, “A chave de casa”. Aliás, não estive sozinho nesta “paixão à primeira vista”. Esse romance encantou os jurados do Prêmio São Paulo de Literatura de 2008, premiando, com justiça, a autora. Essa mesma obra foi finalista do Jabuti (promoção vitoriosa do Penn Clube) e classificou-se entre os 51 títulos do Portugal Telecom.

E quem vem ser, de fato, essa Tatiana Salem Levy, cuja escrita me impressionou tão intensamente? É uma jovem escritora (nascida em 24 de janeiro de 1979), tradutora e doutora em Literatura. Antes da publicação de “A chave da casa” (lançado, primeiro, em Portugal, pela Editora Cotovia, e só depois pela Record), havia publicado um livro de não-ficção, “A experiência do fora: Blanchot, Foucault e Deleuze” (pela Relume Dumará). Publicou, também, “Dois rios”, “Curupira, Pirapora” e contos esparsos (estes na revista “Ficções 11 da Sete Letras), antes de aventurar-se no romance. Participou das antologias “Paralelos” (Agir), “Vinte e cinco mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira” (Record) e “Other Carnivals: new stories from Brazil”, junto com Milton Hatoum. Desde maio de 2014, é colunista do jornal “Valor Econômico”.

Tecnicamente”, Tatiana é portuguesa, pois nasceu em Lisboa. Todavia, considera-se brasileira, brasileiríssima, já que veio para o Brasil, com os pais, quando tinha apenas nove meses de idade. Aqui cresceu, desenvolveu-se, estudou, se formou e se tornou a escritora que é. E que escritora!

Faz-se necessário ressaltar que o premiado livro “A chave de casa” é autobiográfico. Bem, é em termos. Tatiana prefere classificá-lo de “autoficção”. E o que vem a ser isso? O enredo baseia-se em fatos reais, da vida da autora, mas entremeado de outros tantos “episódios” inventados.

Deixemos, porém, que a própria escritora explique o que isso significa: “Quando terminei de escrevê-lo(o livro “A chave de casa”), estava morando em Paris, por causa do doutorado. Autoficção é um tema super-recorrente lá, faz parte da teoria literária. Na autobiografia você estabelece um pacto com o leitor, de que o que ele está lendo aconteceu. A gente sabe que toda autobiografia, de certa forma, também é ficcional, porque é um relato, um ponto de vista. Mas você estabelece esse pacto: vai contar o que aconteceu. A autoficção mistura realidade com ficção, e tem a questão do narrador que você não sabe se é o autor, ou não. Fica entre a ficção e a não ficção — a ideia é explorar isso. Outro dia um amigo me disse: ‘Deve ter sido um acerto de contas a história com o seu avô’. Nunca tive um avô. Mal conheci o pai da minha mãe, de quem eu morria de medo. Fui à Turquia com a minha mãe e a minha irmã, para outra coisa. Depois, quando estava escrevendo o livro, em Paris, comprei um pacote baratinho e passei quatro dias em Istambul, com uma amiga. Nessa viagem peguei muito material para a descrição dos locais”.

Pois é, creio que ficou explicado, e muito bem, o que é a tal da “autoficção”. Outra informação, que considero pertinente e esclarecedora, é que “A chave de casa” foi escrito não com a intenção de ser publicado como romance. Na verdade, tratou-se de sua tese de doutorado em Literatura. E... bingo! Matou não apenas dois, mas vários coelhos com uma só cajadada: doutorou-se, conquistou o cobiçado Prêmio São Paulo de Literatura, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura e virou sucesso editorial.

Pelo exposto, creio que o leitor, agora, entende minha ansiedade pelo lançamento do romance “Em silêncio” (não tenho certeza se a Record já o lançou ou não). O release da editora, porém, adianta o teor do novo livro de Tatiana Salem Levy: gira em torno da “paixão de dois irmãos por uma francesa”, o que “desperta emoções antigas, ligadas à infância dos dois”.

A rigor, a jovem escritora luso-brasileira, aos 39 anos, não pode, mais, ser considerada novata no cenário literário nacional. Já passou há tempos pelo “batismo de fogo” e saiu-se muito bem. Acredito que terá trajetória ainda muito mais brilhante pelo mundo das letras. Assim como ela, há vários outros escritores novos batalhando por seu espaço, por um lugar ao sol, a respeito dos quais escreverei oportunamente. Porquanto, para minha satisfação, a despeito das inúmeras dificuldades que nos deixam malucos e atarantados (amiúde tenho ressaltado quais são as piores delas),a literatura brasileira, felizmente, segue em pleno ritmo de renovação. E que assim prossiga.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

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