domingo, 30 de setembro de 2018

O estupro do carcereiro - I - Edmundo Pacheco


O estupro do carcereiro – I


* Por Edmundo Pacheco


O Francês é um viado. Quem conhece o França, sabe do que estou falando. Não que ele seja gay. Pelo menos acho que não, mas que ele é viado, isso é. Henry Jean Viana é um dos melhores repórteres policiais que conheci. E olhe que essa é uma profissão em extinção. Hoje já não existem bons repórteres policias (e nem ruins). A área policial se transformou numa espécie de maldição. Ninguém quer. Até pra fazer a ronda, que hoje é feita por telefone, sentado numa cadeira confortável, sob ar-condicionado, os novos "jornalistas" reclamam. A chefia tem que obrigar, determinar, se não...

Mas, em 78, 79 a situação era muito diferente. E foi por essa época que o escritor "DiPacheco" se transformou no repórter Edmundo Pacheco. Escritor famosíssimo no bairro; poeta, longos cabelos louros, olhos azuis, e um corpinho de 50 quilos (bons tempos!!) o DiPacheco sonhava em viver das letras e encontrou uma doida que acreditou ser possível. Possível não foi, mas ganhou um emprego como presente de casamento: repórter. E foi assim que numa tarde de outubro de 1979 eu brotei na redação do O Jornal de Maringá, completamente cru, perdido, semianalfabeto e sem nunca ter visto uma máquina de escrever pela frente.

O "Verde" me recebeu (Verdelírio Barbosa, emérito causídico, dublê de jornalista, é uma figura que merece capitulo especial, meu padrinho de casamento e primeiro patrão. Por culpa dele, estou nessa estrada.) e encaminhou pro Venâncio (Claudiomiro era secretário do Verde) que me levou escada acima (a redação ficava num mezanino improvisado, feito de madeira bruta. Uma coisa horrorosa, que balançava a cada pisada).

Lá em cima havia uma fila de mesas: na primeira estava o Timbó (hoje doutor Francisco Timbó de Souza, outro emérito causídico maringaense), que escrevia sobre política,  na outra, o "Pópinho" (que fazia esporte, não me lembro o nome inteiro nem sei que fim virou), o Josué  (que encontrei dia destes e continua na mesma) e não sei bem o que fazia, e na seguinte o Adauri Antunes Barbosa (hoje, editor de política d'O Globo em São Paulo) e que era redator, revisor, copidesqui e coisas do gênero. E no cantinho o Osvaldo Lima, o chefe de redação.

Sempre com aquela cara de gozador e uma boa piada no canto da boca, Osvaldinho me recebeu com um sorriso, indicou uma mesa do outro canto da sala, onde havia uma Remington preta e me apresentou à nova função: repórter policial do O Jornal de Maringá!!!

Naquele primeiro dia não trabalhei. Não que a Osvaldo não esperasse uma produção, acho que ansiava por isso. Mas é que eu simplesmente não sabia o que fazer. E como ninguém me disse nada, passei a tarde ali, sentado, olhando pros jornais, mexendo na minha máquina e sentindo o coração palpitar de emoção.

Só no dia seguinte, acho que penalizado com a situação, o Adauri me deu o que foi algo parecido com minha primeira pauta. Num pedaço de papel datilografado, ele escreveu que eu deveria visitar a delegacia, pegar informações sobre ocorrências, passar nos bombeiros (que ficavam ao lado da delegacia) e depois voltar pra redação. Na redação deveria ligar pra outras delegacias, enfim, caçar informações. Se tivesse algo pra fotografar, que ligasse pra ele...

E assim parti pra minha primeira reportagem: peguei papel e caneta, desci as escadas chacoalhando tudo, saí na calçada da Avenida Brasil (o jornal ficava lá em cima, perto do Peladão, num velho galpão de madeira) e desci, a pé, em direção à Avenida Paraná, onde ficava a delegacia velha. Sim, a pé!!! Pensa que tinha essa moleza, carro com motorista, gravador, ar-condicionado, fotógrafo, é?

Nada disso! Eu ía e voltava a pé da delegacia todos os dias. E se tinha algo pra fotografar, tinha que pedir o telefone da mesa do delegado emprestado pra ligar pra redação (não existiam telefones públicos naquela época).

E foi nessas idas e vindas da delegacia que conheci o Francês. Acho que era repórter policial do O Estado do Paraná, na época, ou do O Diário. Muito brincalhão, logo fiquei amigo do sujeito de nome estranho. Enquanto eu ia e vinha a pé, o França era evoluído: tinha uma moto XL 250, uma câmera fotográfica e se virava. Era um senhor repórter e eu passei a admirá-lo...

Tanto, que ficou comum trocarmos informações. Na verdade ele, mais experiente, é quem me ajudava a coletar as informações, dava ideias pra matérias. Realmente um amigão.

Demorei meses pra perceber que, por trás da amizade, o sacana estava me manipulando, controlando o que levava de informação pro O Jornal, de forma que ele sempre tivesse uma notícia diferente, algo melhor etc.

E foi nesse período, até que percebesse a manobra do colega, que cometi o que deve ter sido a maior barbaridade de minha carreira (até o presente momento, pelo menos): estuprei o carcereiro.

Foi assim: numa tarde, cheguei à delegacia e havia uma movimentação estranha. Logo fui informado pelo solícito amigo do que se tratava. Um grupo de menores havia iniciado uma rebelião e, na confusão, conseguiram sequestrar o carcereiro (não me lembro o nome da figura, mas o França lembra. E conta isso até hoje e morre de rir, o malvado). Espere aí um cadim, semana que vem eu conto o fim da história.


(CONTINUA)

* Escritor por devoção, poeta por impulso, jornalista por profissão. Já foi repórter de impresso, pauteiro de TV, assessor de imprensa, revisor, diagramador, editor de texto de  TV, funcionário público estadual e municipal, entre outras coisas.






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