domingo, 16 de setembro de 2018

Fracasso do rotativismo - Ramalho Ortigão


Fracasso do rotativismo


* Por Ramalho Ortigão


O acordo de dois partidos, revezando-se sucessivamente no poder, dizendo-se um liberal e outro conservador, segundo o regime inglês, falhara inteiramente na sua reiterada aplicação prática. O jogo permanente dessa rotatividade representativa, com vinte anos de funcionamento automático, desgastara todas as engrenagens, boleara todos os ângulos, puíra todas as arestas, safara todos os cunhos que caracterizavam o sistema.

Quem eram os liberais que pela contribuição de novas ideias se propunham acelerar a energia propulsora do parlamentarismo no sentido do mais rápido progresso?

Quem eram os conservadores incumbidos de coordenar a marcha e de manobrar os travões do maquinismo?…

Ninguém o saberia dizer, porque nenhum dos dois partidos a si mesmo se distinguia do outro, a não ser pelo nome do respectivo chefe, politicamente diferenciado, quando muito, pela ênfase pessoal de mandar para a mesa o orçamento ou de pedir o copo de água aos contínuos.

Um fato sumamente grave preocupava, no entanto, a atenção dos que isoladamente contemplavam a integral concatenação dos acontecimentos.

Esse fato era a decomposição da sociedade, lentamente, surdamente, progressivamente contaminada pela mansa e sinuosa corrupção política.

Quantos sintomas inquietantes!

A indisciplina geral, o progressivo rebaixamento dos caracteres, a desqualificação do mérito, o descomedimento das ambições, o espírito de insubordinação, a decadência mental da Imprensa, a pusilanimidade da opinião, o rareamento dos homens modelares, o abastardamento das letras, a anarquia da arte, o desgosto do trabalho, a irreligião, e, finalmente, a pavorosa inconsciência do povo.
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(Do livro “Últimas Farpas” - 1911).


* José Duarte Ramalho Ortigão foi um escritor português de fins do século XIX e início do século XX.



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