Quando
vem a morte e a maturidade plena não acontece
* Por
Mara Narciso
Parece
que sobra tempo na velhice aposentada, mas ele se escasseia. A
aposentadoria dá a falsa impressão de excesso de tempo. Quanto
engano! Não há tempo a perder num dia vazio. Encha-o! Jogar o corpo
no sofá, mirando teto, sem nada fazer, é desperdício imperdoável.
Em honra ao ócio, muitos lamentam lá na frente. Quando se pergunta
ao moribundo o que quer, a resposta será: quero tempo. Não o
desperdice com julgamentos, avarezas, ódios, medos. Gaste
conversando com quem merece, produza para si e os outros, seja bom,
mantenha ou recupere a saúde, coma pouco, faça ginástica. Para o
idoso ter autonomia por mais tempo, precisa se adaptar à redução
dos sentidos, equilíbrio e força, buscando ajuda na fisioterapia,
Pilates, musculação, pois não se perde apenas massa óssea, mas
também músculos.
A
maturidade plena não é hora de lamentar, é tempo de vencer as
últimas fronteiras e avançar, aproveitando cada instante, fazendo
suas vontades, melhorando as limitações que surgem. Não vá a lona
e nem chore a juventude perdida, porque foi vivida, e que tenha sido
na construção de prédios com tijolos de boas ações. Erros? Quem
não os teve? Avance! Isso aqui não são conselhos, e sim reflexões
sobre a morte.
Que
os jovens enxerguem o idoso não como um estorvo, e sim como um
vencedor, que chegou lá. Quando se perde uma amiga jovem, que foi
acometida por uma doença devastadora, de uma voracidade que lhe
comeu até os ossos, mas não a esperança, é quando se vê que
envelhecer não é um mal, é um privilégio.
Nascida
em 25 de fevereiro de 1972 e falecida em 02 de junho de 2017, tenho
certeza que Rosângela Alves queria envelhecer, pois tinha ganas de
trabalhar e viver. Quando falo da querida amiga e ex-colega do curso
de Jornalismo - 2006 a 2010 -, misturo assuntos, velhice e morte,
lamentando tê-la perdido. Pele clara, alta, cabelos loiros, era
naturalmente elegante e tudo que fosse jogado sobre seu corpo bem
feito ficava chique. Coisas de rainha. Seus filhos Rodrigo e Pedro
são carinhosos com a mãe, e como a mãe, repetindo o que aprenderam
com ela.
Rosângela
não ficou velha. Eu fiquei, e quero ficar ainda mais. Não é isso
que se deseja a quem faz aniversário, que tenha muitos anos de vida?
Ninguém quer ser velho dependente, mas muitos querem vida produtiva
e longa. Então, mãos a obra, aceite a vida e suas dores, mas altere
o que pode ser modificado. Faça visitas (eu consegui visitar
Rosângela há quatro meses, no exato momento em que soube da doença
dela), antes que se percam os amigos.
Agora
é com você, amiga amada. Fiquei mais pobre, pois a sua passagem
enriqueceu a minha vida, tanto, que me chegam lágrimas enquanto
escrevo. Obrigada pelas entrevistas que fez com meu filho Fernando
Yanmar Narciso, ampliando o amor-próprio dele. Devo eterna gratidão
a você, por isso e outras amabilidades. Agradeço pelo convívio com
suas gritantes força, coragem, dignidade e capacidade de superação.
Humilde, mas nunca resignada, foi profissional que a cada dia
trabalhava melhor. Seu humanismo e habilidade em entrevistar no
Programa Revista Gerais na TV Gerais fizeram a sua equipe ganhar o
Troféu Imprensa. Eu vi você se arriscar, ousar, vencer barreiras,
com doçura e meiguice. Onde arranjava tanta suavidade e montes de
sorrisos? Você era uma romântica realista, que, com esforço
próprio, saltou dos sonhos dos versos juvenis para a conquista de
autonomia e liberdade. A doença é vil, a morte é má. Meu consolo
são as lembranças que ficaram. Pouquíssimas arestas você deixou.
Nenhuma em mim. Grande mulher! Eu fui me despedir de você. Doeu e
dói, pois o nosso adeus foi para sempre!
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Mais uma magnífica e comovente crônica, Mara, exemplo de como se escreve bem, com simplicidade, mas com propriedade.
ResponderExcluirObrigada, Pedro.
ResponderExcluirQue pena... e que texto. Abraços, Mara.
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