Palavra e objeto
O
escritor sul-africano Stuart Cloete, em seu excelente romance “Balada
Africana” (transformado em filme, que passou batido, pelo menos
aqui no Brasil e pouca gente teve a oportunidade de ver), adverte, em
determinado trecho do livro: “É preciso que não haja confusão
entre a palavra – isto é, o nome – e a coisa em si. Nada – nem
sequer um lápis – pode ser completamente descrito. A palavra, o
nome, são apenas aproximações que transportam ideias associadas”.
Muita
gente comete esse tipo de erro e induz os incautos ao mesmo engano.
Meras descrições dão, apenas, pálida ideia dos objetos descritos.
Para sabermos como, de fato, eles são, é indispensável que os
“vejamos”. Pessoas que nascem cegas, por exemplo, e dependam
exclusivamente que outros lhes descrevam as coisas mais comezinhas e
banais, formam ideias muitas vezes distorcidas e equivocadas delas.
Um
dos equívocos mais comuns que tenho testemunhado refere-se à
palavra “poesia”. Há quem confie, sem restrições, numa tal de
“inspiração” e se esqueça do seu essencial complemento, a
transpiração, o domínio vocabular, o pleno conhecimento do idioma,
para se compor um poema que preste e que, mesmo que remotamente,
mereça esse nome. E são muitos os que pensam assim.
Não
há poesia latente nas coisas, pessoas, paisagens e outros seres
vivos e nem no universo. Ela não é como os frutos maduros de uma
árvore cujo único trabalho que tenhamos seja o de colhê-los para o
nosso deleite e satisfação e dos que queiram, saibam e possam
apreciá-la.. Não é assim que as coisas funcionam.
Tudo
o que nos cerca é o que é, para nós e para qualquer outro. Há
poesia (ou não há) somente dentro de nós. Ela nasce (ou não
nasce) em nosso íntimo, na maneira como nos encaramos e a tudo o que
nos rodeia: pedra ou água, treva ou luz, pessoas ou flores, insetos
ou animais.
É
da nossa sensibilidade e talento que nascem as metáforas, os versos,
as rimas, a métrica, enfim, o poema. O poeta é um criador, que do
barro imundo molda transcendências. Fá-lo, porém, com palavras.
Torna razoavelmente concreta uma visão interior, um conceito, uma
emoção, um sentimento. E raramente se satisfaz com o produto final,
com o texto concluído.
Isso,
todavia, não é inspiração, como tantos pensam. Esta não passa de
um relâmpago, de um lampejo, de uma fagulha, de brevíssimo clarão,
que nos sugere “apenas” determinado tema ou, quando muito, uma ou
duas palavras pertinentes ao poema que se pretenda compor. Nenhum,
nunca, em circunstância alguma, já nasce pronto. Tem que ser
composto. Fôssemos depender, apenas, da tal da inspiração, não
haveria poesia alguma no mundo.
Até
quem não tem talento para o gênero, pode ter, vez ou outra, essas
fugazes “faíscas”. Todavia, se não forem talentosos, se não
contarem com vasto vocabulário, se não tiverem a poesia em seu
interior, por mais transpiração que venham a apresentar, não
comporão poema algum.
A
poesia é, dos gêneros literários, o mais incompreendido, complexo
e, simultaneamente, o mais tentado, apesar de ser, também, o mais
perigoso, por levar o indivíduo sem autocrítica, com extrema
facilidade, ao ridículo.
Há
quem pense, por exemplo, que se limitando a rimar “amor” e
“flor”, “varonil” com “Brasil” e fazendo outras tantas
rimas, ainda mais óbvias – que qualquer criança
recém-alfabetizada é capaz de perpetrar – estará compondo uma
obra-prima, que rivalize com as produções de um Mário Quintana,
Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles ou Manuel Bandeira.
Claro que não estará. Daí para o ridículo, nem é preciso
destacar, é mero piscar de olhos, ou nem isso. Ademais, sequer é
necessário rimar coisa alguma para se compor um poema.
Reitero,
portanto: não há poesia latente nas coisas, pessoas, paisagens e
outros seres vivos e nem no universo. Ela não é como os frutos
maduros de uma árvore cujo único trabalho que tenhamos seja o de
colhê-los para o nosso deleite e satisfação e dos que queiram,
saibam e possam apreciá-la.
Mauro
Sampaio expressa tudo isso neste poema intitulado “Poesia”:
“Não
há poesia.
É
apenas o Universo.
A
árvore é árvore e o pássaro é pássaro.
Apenas
a poesia da árvore ou do pássaro
em
cada um de nós”.
Este,
sim, foi um poeta magnífico e exemplar, que nunca se fiou nessa
balela de inspiração. Tinha e esbanjava talento e cultura e fazia o
que queria com as palavras (que conhecia como poucos), com a
habilidade de quem de fato conhece a atividade. Sobretudo, tinha
poesia dentro de si!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Pelo menos você nos traz amostras desse bom poeta, que certamente era um poeta bom.
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