O
medo governa
* Por Frei Betto
Neste mundo desprovido de utopia, senso
histórico e confiança na representatividade política, o medo ocupa cada vez
mais espaço. As forças conservadoras nos incutem tal insegurança que, como cordeiros
a serem tosquiados, aceitamos trocar a liberdade pela segurança. Deixamos de melhorar
a nossa qualidade de vida ou fazer uma viagem de lazer para manter intocado o
dinheiro no banco.
Temos medo do desemprego, da inflação,
da recessão. A toda hora soa o alarme: cuidado! A fera está solta!
Nem sempre a identificamos com nitidez,
mas, como manada, disparamos em corrida para nos afastar o mais possível do alcance
da fera.
Quem é a fera? É o “outro”, o imigrante
que vem roubar nossos empregos. É o estrangeiro que ameaça subverter o nosso estilo
de vida. É o muçulmano que, por baixo da túnica, carrega um cinturão de dinamites.
É o refugiado que obriga o nosso governo a desviar recursos para socorrê-los. É
o homossexual encarado como promíscuo. É quem pensa diferente e cujas ideias
nos parecem conter material explosivo...
Assim o medo se dissemina pelo país. Penetra
em nossas casas. Impregna-nos a mente, os olho, os ouvidos, o olfato e o paladar.
Medo do alimento que engorda, do tabaco que envenena, da bebida que embriaga.
Medo de tudo e de todos. Esquecemos o que a sabedoria recomenda: que tenhamos
medo do medo.
Cresce a síndrome do medo. Isso vale
para Rio, São Paulo, Belo Horizonte ou qualquer outra grande capital. Medo de
assalto, o que induz o cidadão a tornar-se prisioneiro de sua própria casa,
trancada com mil chaves, dotada de alarme de segurança, e quebrada, no visual,
pelas grades que cobrem as janelas.
O medo viaja a bordo do desconhecido. O
porteiro do prédio deve exigir identificação, o nome é anunciado por interfone,
o visitante conferido pelo olho mágico e, por fim, as fechaduras, de roliças
chaves dentadas, abertas uma a uma.
Doença da moda é a agorafobia - medo de
lugares públicos. Teme-se que a praça esconda ladrões atrás das árvores, e crianças
pedintes se transformem em perigosos assaltantes ao se aproximar do carro. Aumenta
o número de pessoas que preferem não sair à noite, jamais usam joias e entram
em pânico se alguém se dirige a elas para perguntar onde fica tal avenida. O
homem é, enfim, o lobo do homem.
De onde vem tanto medo? Da sociedade
que nos abriga, marcada por desigualdade e preconceitos. Se não somos iguais em
direitos e nas mínimas condições de vida, por que se espantar com reações diferentes?
Como exigir polidez de um homem que sente na pele a discriminação racial e, na
pobreza, a social? Como esperar um sorriso de uma criança que, no barraco em
que mora, vê o pai desempregado descarregar a bebedeira na surra que dá na mulher?
A discriminação humilha, e a humilhação gera ressentimento, amargura e revolta.
O contrário do medo não é a coragem, é
a fé. Não apenas religiosa, mas cívica, política, utópica. Acreditar que o futuro
pode ser melhor e diferente. E começar, hoje, a semear os bons frutos a serem
colhidos no futuro.
*
Escritor e religioso dominicano. Recebeu vários prêmios por sua atuação em prol
dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Foi assessor especial
da Presidência da República entre 2003 e 2004. É autor de 60 livros, editados
no Brasil e no Exterior, entre os quais "Batismo de Sangue", e
"A Mosca Azul".
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