Um bailão de vergonha
* Por Ana Esther Pithan
O coração da D.
Pierina batia ansioso de tanta alegria. Era a primeira vez que conseguia
escapar da vigilância implacável da filha e participar do Bailão da Terceira
Idade em seu bairro. Várias de suas amigas estavam lá se divertindo também. Era
uma oportunidade rara para D. Pierina sair de casa e encontrar os amigos em
momentos divertidos pois acostumara-se a sair somente para ir ao médico
acompanhada pela filha.
Um sentimento de
liberdade, esquecido há tantos anos, a invadiu e ela curtia a festa, adorou a
mesa de chá, maravilhou-se com as músicas bonitas e poder bater papo com as
amigas já era o máximo para ela. Até que o Seu Juvenal, marido da D. Inácia,
convidou-a para uma dança, sugestão da própria D. Inácia. Quanta gentileza a
dele proporcionar-lhe aquela felicidade! Havia bem uns 30 anos que ela não
dançava...
Foi no meio da dança
que D. Pierina ouviu um berro no salão. Todos pararam para ver o que estava
ocorrendo. Era a Norma, filha da D. Pierina, que chegara de surpresa no baile e
dera com a mãe dançando com aquele homem desconhecido. A Norma separou os
dançarinos e descompôs a mãe na frente de todos, dizendo que uma velha como ela
não podia dar-se ao desfrute de uma cena como aquela. Chegou ao ponto de acusar
o Seu Juvenal de estar de olho na pensão do INSS de sua mãe...
A vergonha da D.
Pierina foi tanta que sua tristeza chegou ao coração de Ana Brasilis... a
fotógrafa oficial da Parada da Diversidade que acontecia naquele mesmo dia na
cidade. Ana já tirara muitas fotos incríveis do evento mas ainda faltava muito
a ser registrado. Contudo, sabia que velhinhas em apuros têm prioridade. Puxou
da bolsa o chaveiro com a bengala em miniatura... e gritou com todo o pulmão:
“Bengala Mágica, chama a Vovó!” Com seus poderes mágicos a Mega Vó chegou
voando no Bailão da Terceira Idade e testemunhou o papelão que a Norma estava
dando. Foi aquele alvoroço. Todos se espantaram vendo a velhinha voadora
aterrissar no meio do salão e dirigir-se destemidamente em direção àquela filha
malvada.
A Mega Vó então com
sua voz carinhosa disse para Norma: “Minha cara senhora, que vergonha, tratares
tua mãe dessa maneira... é assim que tu queres que os teus filhos te tratem
daqui a não muitos anos?” Norma quase teve uma síncope. Não se dera conta de
que também já não era mais jovenzinha... A Mega Vó aproveitou-se deste instante
de reflexão e fitou-a com o seu hiper-poderoso Olhar do Arrependimento.
Sob a influência do
Olhar do Arrependimento Norma percebeu como agia errado. Uma senhora de 75
anos, cheia de vida, criativa e com tanto para aproveitar... não merecia ser
trancafiada em casa, privada da convivência com as amizades. “Aliás, Norma, tua
atitude joga no lixo tudo o que é defendido pelo Estatuto do Idoso, pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos... e também pelas leis do bom senso e
do amor ao próximo!” Disse a Mega Vó olhando Norma no fundo dos olhos.
O salão inteiro bateu
palmas em sinal de apoio às palavras da Mega Vó. Norma, em reação aos poderes
do Olhar do Arrependimento, fez uma análise do seu comportamento e percebeu a
extensão de seu erro. Jurou de pés juntos virar uma boa filha e respeitar não
apenas sua mãe mas toda e qualquer pessoa.
Outro caso resolvido e
a Mega Vó retornou à Parada da Diversidade onde com sua identidade secreta
terminaria seu trabalho fotográfico. A loucura e faceirice por ali eram enormes
e ninguém nem percebera a curta ausência da Ana Brasilis, para os velhinhos em
apuro, a heroína Mega Vó!
NOTA: Esta minha crônica
da Mega Vó foi para a publicação no jornal Cultura&Lazer de Florianópolis,
SC.
* Escritora, tradutora
e professora gaúcha.
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