Cada uma!
O
noticiário diário dos meios de comunicação é uma fonte inesgotável de
inspiração para os que ganham a vida escrevendo ficção. Parece brincadeira, mas
não é. Os fatos noticiados por jornais, revistas, emissoras de rádio e
televisão e portais e blogs da internet são tão insólitos, tão surreais, tão
absurdos, que parecem ser engendrados por um cérebro delirante. No entanto... não
são. Há umas três décadas, fui encarregado de escrever uma coluna, para um
suplemento dominical do Diário do Povo de Campinas (que, se não me engano, se
chamava “Jornal do Lar”), apenas com notícias desse tipo, extraídas da mídia
impressa, acompanhadas de um comentário jocoso da minha parte. Foi um sucesso!
Os leitores
duvidavam que os fatos abordados fossem verdadeiros. Atribuíam-nos à minha
suposta capacidade inventiva. E os colegas de redação olhavam-me com espanto e
com respeito, secretamente invejando a minha “criatividade” (que, convenhamos,
nem mesmo existia). Eu me limitava a comentar, com bom-humor é verdade, a
realidade, e nada mais. Na ocasião, eu mantinha um banco de dados para
catalogar esses fatos – reitero, pinçados do noticiário – cuja seleção tinha dificuldades de fazer, tão
malucos e surrealistas que eram.
Quando
troquei o Diário do Povo pelo seu então concorrente, o Correio Popular, a
coluna deixou de ser publicada e não tardou muito para que também o suplemento
que a abrigava deixasse de circular. Ensaiei, várias vezes, me desfazer desse
banco de ocorrências insólitas, por sua inutilidade. Todavia, por
desorganização, a cada arrumação que encetava nas gavetas do meu arquivo me
desfazia de informações que mais tarde me faziam falta, mas estas teimosamente
permaneciam ali.
Tenho, agora,
esse material em mãos. Até por dilentantismo, resolvi atualizá-lo. E só de
notícias, envolvendo ladrões distraídos, cataloguei duas, já bastante antigas.
Uma delas ocorreu em Campinas. Um “amigo do alheio” invadiu uma residência, em
um bairro de classe média da cidade, na qual fez uma “limpeza em regra”. Na
fuga, todavia, esqueceu, sobre o sofá da casa, sua “ferramenta de trabalho”. Ou
seja, deixou um revólver, calibre 38, com a numeração raspada, para trás.
Mais
trapalhão, ainda, porém, foi o ladrão que roubou o caixa de uma lotérica de
Bauru, interior de São Paulo, utilizando para isso uma arma de brinquedo. Toda a
ação foi registrada pelas câmeras do circuito interno de TV do estabelecimento.
Mas sequer seria necessário. Na fuga, o indivíduo esqueceu (vejam só) seu
currículo, com documentos, endereço, foto, os cambau. Só com isso, já
facilitou, sobremaneira, o trabalho da polícia. Mas sua trapalhada foi ainda
mais longe. O bandido trapalhão voltou ao local do crime para tentar recuperar
o que havia esquecido. Foi preso no ato, claro. As imagens gravadas não
deixavam a mínima dúvida sobre a autoria do crime.
Que escritor
conseguiria criar um enredo desses? E se criasse, certamente seria acusado de
fantasiar demais, de faltar verossimilhança à sua história. No entanto... Como
esses, há casos até muito mais incríveis, e no entanto, verdadeiros. Um deles
aconteceu em Frankfurt, na Alemanha. Em determinada noite, os vizinhos de um
homem de cerca de 30 anos, que morava sozinho no bairro, cujo comportamento era
considerado “estranho”, foi visto saindo, furtivamente, de sua casa, na
penumbra, carregando nos ombros o que à distância parecia ser um cadáver de
mulher.
O sujeito se
esgueirou junto ao muro, evitando os locais mais iluminados, olhando apreensivo
para um lado e para o outro e se dirigiu rumo a um vasto terreno baldio das
redondezas. As testemunhas não tiveram dúvidas: chamaram, incontinenti, a
polícia. Diante das autoridades, o cidadão, constrangido, se explicou. Não era
nenhum criminoso tentando esconder a prova do crime. Ocorre que, como fosse uma
pessoa extremamente tímida (e por isso solitária), mantinha em casa uma dessas
bonecas infláveis, vendidas em pornoshops, para se satisfazer sexualmente.
Justamente na véspera, havia comprado uma nova, de modelo mais atualizado, e
resolveu jogar a antiga no lixo. Mas, na pressa, se esqueceu de desinflar a
boneca. Vai daí...
Eu poderia
reproduzir dezenas dessas notícias, cada uma mais insólita (ou maluca?) do que
outra. Não o farei. Arremato, todavia, com uma nota que li, há já muito tempo,
na revista “IstoÉ” (reproduzida em vários sites da internet). Referia-se a uma
ação judicial que corria no STJ, movida pela costureira mineira Eunice Garcia.
Ela cobrava, do Banco do Brasil, um pagamento devido ao seu avô desde 1928, com
a respectiva correção. Sabem de quanto era essa dívida, já corrigida? Era de R$
3 duodecilhões!!! Calma, amigos, não se trata de erro de digitação. É isso
mesmo! A nota da “IstoÉ” ajudava a tentar captar o significado dessa
inimaginável soma: “Conte: milhão, bilhão, trilhão, quatrilhão etc, até chegar
ao 12º ão”. Pois é.
Isso é
infinitamente mais do que toda a riqueza que a humanidade inteira gerou (e pode
vir a gerar por inúmeros milênios, se ainda existir) desde que o homem apareceu
sobre a face da Terra. O Produto Interno Bruto de todos os 202 países com
assento na ONU, somado, não chega sequer a uma centena de trilhões! Quanto
falta para o duodecilhão? Uma infinidade de zeros! Já imaginaram se a Justiça desse
ganho de causa à costureira e obrigasse o banco a pagar essa quantia?! De que
jeito?! A realidade, portanto, dá ou não dá o maior dos bailes (maior do que os
de Pelé, Garrincha, Canhoteiro, Denílson e, de lambugem, Maradona, Messi e
Neymar juntos) na ficção?
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Sempre disse que a ficção copia a realidade e não o oposto. A vida é fonte para as novelas, e não as novelas ensinam o crime ou maus comportamentos.
ResponderExcluir