Quinze
anos
* Por Gustavo do
Carmo
Somente aos quinze anos Michel conheceu
a mãe. Foi criado pelo pai, funcionário público, enquanto ela, jornalista,
viajava o mundo como correspondente internacional de uma emissora britânica de
televisão. Parece impossível que alguém viva quinze anos sem conhecer uma mãe
que aparece todos os dias no telejornal da noite. E que uma mãe passe quinze
anos sem conhecer o filho. Mas aqui foi possível.
Quando Yvonne conheceu Roberval, ela
era apenas uma repórter de jornal local e o marido, um imaturo dependente do
dinheiro do pai. Quando engravidou de Michel, obrigou o namorado a fazer um
concurso público. Roberval estudou e foi aprovado na Caixa Econômica Federal. Antes
de Michel completar quatro meses de vida, Yvonne foi transferida para São Paulo,
ainda em licença-maternidade.
Loucamente apaixonado pelo Rio a ponto
de ter ciúmes do estado vizinho, Roberval sequer se interessou em pedir
transferência para acompanhar a esposa. Resultado: o casamento acabou e
Roberval ficou com o bebê. Com o consentimento de Yvonne. Não queria que o
filho interferisse no seu crescimento profissional. A jornalista acreditou que
ele teria boas condições de cuidar da criança e prometeu visitá-lo quando
pudesse. Em contrapartida pediu que o marido levasse o menino para São Paulo
para visitá-la. Nenhum dos dois cumpriu a promessa.
O trabalho de Yvonne apertou tanto que
ela se esqueceu do filho. Não ligava, não visitava nas folgas e só o visitou
uma única vez nas férias quando o menino já engatinhava, mas ainda não o
reconhecia. Cinco anos depois, virou
correspondente internacional em Paris. Viajou com o novo namorado, Laurent, um
rico e cinqüentão empresário franco-paulista.
Indignado com a falta de consideração
da ex-mulher, Roberval se recusou a visitá-la e levar Michel. E ainda passou a
esconder do filho a fama da mãe. Yvonne até mandava cartas e depois e-mails,
mas Roberval queimava e deletava. Roberval se transformou no pai e na mãe de
Michel. Sequer casou-se de novo. Sustentou o menino com todos os mimos e
carinhos, dando ensino particular, roupas e tudo o que ele queria.
Mesmo assim, Michel não se apegou
emocionalmente ao pai. Gostava dele e respeitava a sua autoridade. E ainda lhe
dava orgulho ao ser um menino estudioso e bondoso. Mas o tratava com frieza. A
situação se agravou quando Michel completou dez anos e começou a cobrar o
paradeiro da mãe. No ano seguinte, descobriu que era filho da famosa
correspondente internacional Yvonne de Souza.
Imediatamente Michel exigiu que
Roberval o levasse para Paris para conhecer a mãe. Discutiram violentamente.
Michel acusou o pai de lhe esconder a mãe. Roberval se defendeu acusando Yvonne
de ter trocado o filho pelo sucesso profissional. Michel jogou na cara do pai a
carta que recebeu acidentalmente da mãe querendo conhecê-lo e fazendo as mesmas
acusações ao ex-marido de lhe esconder Michel.
Para não perder o pouco de amor que o
filho lhe dava, Roberval juntou suas economias, vendeu o carro e parcelou em
doze vezes uma viagem a Paris para Michel encontrar a mãe. O que não aconteceu.
Yvonne estava de férias e viajou. Para Dubai. Com o namorado francês.
Michel desistiu de conhecer Yvonne e
perdoou Roberval por ter sonegado as mensagens que a jornalista mandava. Já
Roberval conquistou o tão sonhado apego de Michel. E ainda levou de troco uma
cumplicidade inédita. Pai e filho se divertiram em Paris como dois solteirões
boêmios.
*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance
“Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea
“Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess -
http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe
-http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
Seu blog, “Tudo cultural” -
www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores
Nenhum comentário:
Postar um comentário