O Brasil e o futuro
* Por
João de Scantimburgo
Nunca o futuro esteve
tão presente, como em nossa época. Se não tivemos, ainda, uma invasão de
marcianos, tivemos, vê-se, uma invasão de profetas, que procuram decifrar o
futuro ou antecipá-lo, com muitas elucubrações. Se devemos, os contemporâneos
que ainda não perdemos a fé, temer pelo mundo, é porque a mecanização do
espírito, a desespiritualização da técnica, a crise do homem, de sua crença das
bases de seu amor, de sua angústia diante do insondável mistério, que o traz
suspenso em face da imensidão de Deus, serem forças poderosas, sobretudo quando
usam os veículos de comunicação de massa para difundir o mal.
Que me conste, foi o
filósofo Maurice Blondel o primeiro a usar o vocábulo prospectiva.
"Pensamento ou característica do pensamento, enquanto orientado no sentido
do futuro." 2 Seu discípulo, Gaston Berger, lançou-o, porém, em
circulação, fora dos limites estreitos dos meios filosóficos e ele adquiriu
logo maioridade e autonomia. Que é, porém, a prospectiva? É a ciência que tem
como objeto preparar o futuro, a fim de que o homem não seja deixado ao acaso.
Sem se desabrigar do providencialismo, que atuam na história, a prospectiva
vale-se da liberdade do homem, para que ele não marche no futuro por
tateamentos. A prospectiva nos ajuda, portanto, a marchar de encontro ao
futuro, com relativa segurança, desde que as leis superiores do espírito sejam
observadas pelas sociedades, inclusive nos períodos de mudança, como este, do
após-guerra e da ansiosa expectativa pelo advento de novos tempos. Vamos, todos
nós, entre descompassos, tentando reparar os nossos erros, com a ajuda da
prospectiva, que, bem usada, é uma esperança. Pela prospectiva estamos
habilitados a estender longos telescópios no vetor do futuro, se se fundar ela
nos sólidos alicerces do passado.
Cremos que o nosso
projeto humano para as sociedades humanas se inclina para um sistema político
onde as impurezas da história e a cupidez do homem tenham menos peso do que nas
sociedades de grandes desníveis, como a maioria delas, nesta altura do século.
Cremos que, nessa linha, a fé no Deus uno e trino; a educação proporcionada a
todos, o uso dos direitos às liberdades da pessoa, a elevação do padrão de vida
dos povos pela ampliação da sociedade de consumo, podem libertar o homem e, com
ele, a terra. A era tecnológica está pondo ao alcance das sociedades
contemporâneas uma cópia de bens com a qual não contaram as sociedades dos
séculos anteriores e, mesmo, as de uma parte deste. Não negamos que a miséria
campeia, ainda, sobre a face da terra e que sua extinção é tarefa sobre-humana,
com os recursos de que dispomos. Mas, pela ciência da prospectiva, ou pela
experiência dos fatos, do processo que têm diante dos olhos, dos exemplos e dos
oferecimentos da tecnologia, as sociedades contemporâneas já sabem como
organizar seu futuro e alcançar os mesmos benefícios da civilização e da
cultura, dos quais outras gozam.
Não ignoramos que os
oprimidos se revoltam, que os desesperados, milhões de inocentes que povoam a
face da terra, clamam por pão, mas não ignoramos, igualmente, que não será
avolumando a caudal da revolução universal que vamos resolver os problemas
sociais, os problemas humanos, os problemas do homem em face de seu destino.
Para revidar ao desafio do século, extinguindo a miséria, elevando o homem, as
sociedades contemporâneas podem tombar no extremo oposto, e divinizar o
consumo, como vem na sátira de Dunrrematt. O homem é o ser que pede mais, que
quer mais do que o material. A civilização está posta à prova, em nossos dias.
Vemo-la agônica, debatendo-se em estertores para sobreviver. Circulam em seu
corpo toxinas fatais, como o esquecimento de Deus, o desrespeito à nação, o
aviltamento da mulher, e outras. Mas sempre latejam em seu seio forças que
podem salvá-la.
(Tratado geral do
Brasil, 1971)
*
Jornalista, professor e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras.
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