À sombra de um acordo, a ortografia
* Por
Rubem Costa
Desnecessário é
lembrar que, originário do latim, o verbo reformar traz ínsito em seu étimo um
potencial de largo espetro que tem por lastro o significativo conceito de
corrigir, emendar, modificar. Consequentemente, sempre que se fala em reforma,
aflui ao pensamento a sensação de alarme, advertência que abisma o ser diante
do desconhecido. Agredindo o princípio da inércia, a ideia de mutação cria para
o espírito um estado de vacilação e dubiedade que o leva a uma espontânea
resistência ao novo.
Fruto dessa
consequência se constata agora na aplicação do acordo ortográfico sancionado
pelo Brasil no ano findo (2008); proposição que, alterando a tradição
resultante de reformas anteriores, codifica em grande angular novas normas para
uso da Comunidade de Países da Língua Portuguesa. Importante, todavia, é
considerar que, acima do termo legal para a mudança, necessário se faz
compreender para aceitar. Em decorrência, promulgada a lei, como não podia
deixar de ser, agitaram-se desde logo os meios culturais numa tarefa pedagógica
que, não raro, à falta de recursos didáticos dos mensageiros mais tem
confundido que esclarecido.
Indubitavelmente, este
é um ponto capital que coloca em estado de alerta a confiança dos educandos.
Espreita que cresce naturalmente quando a iniciativa de divulgar provém da
atual Secretaria de Educação do Estado, uma pasta desmoralizada que, traindo o
seu passado, se desmancha atualmente em incompetência abissal, traduzida
recentemente na insanidade — que a imprensa amplamente divulgou — de
distribuir, para uso das escolas, atlas geográfico da América do Sul com
Paraguai trocando lugar com a Bolívia. Assim, diante de descalabros que colocam
o poder público numa ínfima qualificação cultural, é salutar e até imperativo
que a iniciativa particular se movimente para corrigir e compensar o que
deveria ser dever do estado.
Essa é a razão que me
leva a saudar a publicação da obra assinada por Luiz Antônio Alves Torrano,
mestre da língua e cultor do direito que, associando as duas virtudes, oferta
agora ao uso da comunidade de língua portuguesa o mais completo manual até hoje
conhecido para o exercício das novas normas ortográficas. A par da exposição
clara e acessível de cunho didático, o livro encerra toda a legislação
pertinente ao novo acordo, ao qual adere o protocolo modificativo anteriormente
assinado.
E essa organização
pedagógica — provindo de quem provém — não podia deixar de assim ser. O autor é
uma figura incomum de intelectual que, acoplando a condição de filólogo e
jurista, possui no currículo invejável soma cultural em que se inscrevem
títulos múltiplos: licenciado em letras pela Faculdade de Filosofia de
Catanduva/SP, graduado em direito pela PUC, mestre em letras também pela
PUC-Campinas; mestre em direito civil pela PUC-São Paulo, mestre em Direito
Obrigacional Público e Privado pela Unesp-Franca, doutorando em Direitos
Difusos pela PUC-São Paulo, e também professor adjunto de Direito Civil na
PUC-Campinas e Unip. Professor assistente da Escola Paulista de Magistratura.
Membro da Academia Campinense de Letras, é atualmente juiz titular da 1ª Vara
da Família e diretor do Fórum da Comarca de Campinas.
Como gramático é autor
de uma obra essencial aos estudantes de Direito: A Língua Portuguesa em seu uso
forense. Dele, no prefácio do livro, o desembargador Marino Falcão Lopes, assim
fala: “Na dúplice condição de professor e magistrado, Torrano tem a perfeita
conscientização de que o direito é o núcleo polarizador da vida em comunidade.
Situa-se com nítida visão nos parâmetros desse extraordinário universo de
atuação, mas sempre fiel ao seu antigo amor pelo idioma pátrio.” É uma visão
plena do gramático e do jurista; do ser voltado para a manifestação correta do
pensamento como veículo de aplicação exata do direito. Na trilha desse
entendimento, foi que o saudei quando de sua posse na Academia Campinense de
Letras, acentuando então a interpenetração dos dois valores para concluir que,
se o bem julgar desperta o juiz, o bem falar desperta o gramático. Ou até de
forma anagramática, pelo avesso, com igual correção, pode-se dizer também que o
bem julgar desperta o gramático como o bem dizer desperta o juiz. Essa é
qualidade cultural do mestre que assina o manual de A Nova Reforma Ortográfica
da Língua.
De alto nível
laborativo e fácil compreensão, constitui compêndio indispensável em qualquer
biblioteca pública ou particular. Providencial será para Campinas que o atual
Secretário Municipal da Educação, o ilustre professor José Tadeu Jorge, examine
a possibilidade de aquisição da obra para distribuição nas escolas do
município. Se assim acontecer, ganharão os professores, lucrarão os alunos,
beneficiar-se-á a coletividade.
*
Professor, jornalista e escritor, membro da Academia Campinense de Letras.
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