Divagações sobre o Natal
O Natal tem o poder de mexer com meus
sentimentos e emoções como nenhuma outra data do ano, de tornar-me ainda mais
emotivo do que normalmente sou (e olhem que sou demais!) e de fazer com que me
mostre dispersivo e sem imaginação, justo eu que prezo tanto a racionalidade, o
autodomínio, a concentração e, sobretudo, a criatividade em tudo o que faço.
Sei, sei, impaciente leitor, que estou
sendo repetitivo. Não precisa me apontar esse dedo acusador e lembrar que eu já
disse tudo isso em pelo menos uma dezena de crônicas alusivas à data. Disse
mesmo! E, provavelmente, direi de novo, quantos forem os textos dessa natureza
que vier a produzir. Afinal, escrever sobre o Natal não passa de variações
infinitas sobre o mesmíssimo tema. Ou não é?!
Ademais, não posso deixar de me
repetir, quando o sentimento que me leva a essa repetição não mudou. Ou seja,
é, por sua vez, também repetido, ano após ano. Creio que, mais do que falta de
assunto, essa minha insistente reiteração mostra, antes de tudo, minha
coerência. Ou não mostra? Pior seria se eu me contradissesse nessa crônica. Se
confessasse emoções que não sinto e se garantisse não sentir o que, de fato, me
vai na alma.
Mas, deixando de enrolação, o tema que
vou abordar hoje não é bem este. Para contrapor a minha falta de imaginação ao
escrever sobre a data, destaco a total falta de criatividade na forma dela ser
comemorada em nosso país, que não passa de cópia mal-feita de comemorações
similares da Europa e dos Estados Unidos.
É fato que o Natal envolve, sobretudo,
tradição. E que parcela expressiva da nossa população é descendente de
imigrantes europeus. São coisas que não nego, e nem poderia (pelo menos em sã
consciência) negar. Todavia, a imensa maioria do nosso povo é constituída da
quarta ou quinta geração daqueles peregrinos originais que vieram para estas
plagas tropicais tentar sorte melhor do que a que tinham em suas pátrias de
origem.
Seus tetra-avós, bisavós, avós e pais
cederam aos encantos dos nativos e misturaram os seus genes, no magnífico
cadinho das miscigenações, aos dos descendentes de africanos, de índios e de
asiáticos, o que resultou numa nova etnia: a brasileira. A essa altura da
história, portanto, já podemos afirmar, com segurança, que nestas terras abençoadas
por Deus, em que em fevereiro tem Carnaval, surgiram um novo homem e uma nova
mulher. E não temos, em absoluto, que nos envergonhar disso. Alguns parecem ter
vergonha! Tolice. Temos, sim, é que
comemorar e que nos orgulhar dessa mistura.
Por que, então, não darmos vazão à
nossa própria e rica cultura, considerada exótica por muitos, mas de uma
riqueza incomparável quando confrontada com as demais? Por que não festejarmos
o Natal (e não somente ele, mas todas as outras datas, consideradas universais)
à nossa maneira? Temos sempre que macaquear os outros?
Vejam, por exemplo, o estereótipo do
Papai Noel. Não tem absolutamente nada a ver com nossos costumes. Ainda se a
lenda dissesse que ele provém do Pólo Sul, poderia, forçando muito a barra, se
dar um desconto. Mas não! Essa figura que ainda assanha a imaginação de algumas
crianças, em plena era da internet, provém do extremo Norte do mundo! E esse
mito natalino (mito que, reitero, não tem nada a ver conosco) já destoa de cara
em suas vestes.
Raciocinemos. O Natal, por aqui, cai
logo no início do verão que, dependendo da região, é sempre quentíssimo,
“senegalesco”, como diriam os locutores esportivos. Papai Noel, com aquela sua
roupa pesada, e ainda mais vermelha (que absorve, portanto, o calor em vez de
dissipá-lo) não resistiria a uma única temporada entre nós. Morreria de
insolação ou, literalmente, “derreteria” neste nosso calor tropical.
Se quiserem usar essa figura simbólica,
muito que bem. Usem, mas façam, pelo menos, a caridade de adaptar os seus
trajes à realidade climática do nosso País. Já não digo que ele deva vestir
bermuda e uma camisa leve e florida, como os turistas que visitam o Rio de
Janeiro nesta época do ano usam (aliás, ideal para o nosso clima), mas pelo
menos vistam nele uma roupa mais condizente. Talvez a melhor indumentária fosse
aquela espécie de bata branca que os membros do bloco carnavalesco Filhos de
Gandhi vestem em seus desfiles no Carnaval, pelas ladeiras do Pelourinho, em Salvador. Mas aí já
seria um exagero. Muitos considerariam um escracho.
Claro que é possível enumerar mais uma
centena de incongruências na forma como comemoramos a data por aqui. Aqueles
tufos de algodão, por exemplo, para dar a entender que são flocos de neve,
colocados a título de enfeites nas árvores de Natal, não condizem, claro, nem
um pouco com a nossa realidade. Não se esqueçam, reitero, que estamos em
dezembro e, portanto, em pleno verão por estes trópicos ardentes. Ademais,
pouquíssimos brasileiros já viram neve na vida, só presente, nos meses de junho
e julho (e assim mesmo nos invernos inusitadamente rigorosos) em São Joaquim e em mais
duas ou três cidades das serras catarinense e gaúcha.
E as comidas das ceias natalinas,
então! São um massacre para o fígado de qualquer cristão e uma agressão ao
organismo dos que lutam contra a obesidade! No entanto, temos uma riqueza
gastronômica incomparável (e saudável) que é deixada de lado, apenas para
macaquear outros povos. Claro que você, leitor exigente e severo, vai achar
esta crônica ridícula. Paciência. Para dar-lhe um toque de erudição, porém,
cito o que escreveu William Shakespeare, há quase cinco séculos: “No Natal, não
almejo uma rosa nem desejo neve sobre a alegria de maio. Apraz-me em cada
estação o que lhe pertence”.
Notaram o que o bardo de Stratford-upon-Avon
quis dizer, no remoto século XVI? Pois é, ele me dá plena razão. Afirmou que
devemos nos contentar com o que cada estação do ano tem a nos oferecer. Que não
se pode querer colher rosas, em nosso jardim, em dezembro (que é inverno na
Inglaterra) e nem pretender que caia neve em maio (primavera em seu país). Para
o caso brasileiro, basta trocar o inverno pelo verão e a primavera pelo outono
e a citação caberá como uma luva para nós. Comemoremos, sim, o Natal, e com
tudo a que temos direito. Mas à moda brasileira! E tenho dito!
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Sem pelo menos o gorro, ninguém reconhecerá Papai Noel.
ResponderExcluir