quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O sinédrio da cidade do Porto e a república de Curitiba


* Por Raul Longo


Para explicar o sistema judiciário brasileiro o australiano e um dos mais notáveis advogados do mundo, Geoffrey Robertson, se refere a fato histórico da justiça portuguesa no início do século 19 com íntima correspondência a importante momento da história do Brasil que muitos brasileiros desconhecem.

O pronunciamento está repercutindo pelas redes sociais de todo o mundo e vale a pena conhecê-lo com legenda em português, após a apresentação do significado de Geoffrey Robertson para a comunidade jurídica internacional: https://www.facebook.com/Lulastruth/videos/1216114551767640/

Talvez por nossas instituições e relações sociais se manterem tão inalteradas ao longo dos séculos, por continuarmos vivendo o mesmo Brasil de sempre; pouco nos interessamos pela história, mas Portugal, como diz aí Geoffrey Robertson, mudou muito e a referência sobre o ano que marcou a evolução da justiça portuguesa, 1820, tem tudo a ver com o fim da permanência de Dom João VI no Brasil.

Nas escolas nos ensinavam que aquele monarca e sua corte vieram para nosso país ainda colônia fugindo de Napoleão Bonaparte. Cronistas de então mais se preocupavam com os escândalos conjugais entre Dom João e sua esposa, a célebre Carlota Joaquina, devassando a vida do casal como num BBB oitocentista. Mas pouco informavam sobre detalhes que ainda hoje pouco comovem os brasileiros, permanentemente mais interessados em escândalos promovidos e inventados pela mídia.

Dado a esse desprendimento nacional por fatos relevantes à evolução da sociedade e desenvolvimento de nossa civilização, alguns até podem crer que Dom João VI resolveu retornar a Portugal por saudades da “terrinha”, ou por vergonha de ser apontado como o “Rei Corno”. Outros imaginam que após fundar o primeiro Banco do Brasil, Dom João só esperou os brasileiros depositarem ali suas economias para rapar o cofre, fechar o banco, e voltar à Lisboa.

Nesse aspecto Dom João VI foi um precursor, pois quase dois séculos depois seu exemplo influiu em Fernando Henrique Cardoso à criação do PROER, na promoção do Escândalo do Banestado, na falência do Banco Nacional de Minas Gerais sob a administração de seu filho, e provavelmente também na inclusão das taxas bancárias para ampliação de rendimentos sobre os juros das importâncias depositadas pela população. Rendimentos aos bancos, claro! Não haveria de ser aos usuários dos serviços bancários que, evidentemente, pagam à parte: extratos, talões de cheque, correspondências, etc.

Quem diria que tornaríamos a ser cobrados por uma falcatrua de Dom João VI lá no começo do século retrasado?!! Mas a era FHC modernizou o sistema de rapina empregado pelo monarca lusitano e já nem a percebemos, embora tanto tenhamos nos revoltado com a CPMF, equivalente ao preço de um maço de marca popular de cigarros por mês, a cada salário mínimo de movimentação financeira bancária.

Os bancos não pagavam nada pela CPMF, mas agora estão livres do controle por aquele imposto e podem operar evasões de divisas à vontade sem o risco de serem julgados pelo Sérgio Moro como o Youssef, a quem aquele juiz já o condenou há um ano de cadeia no caso Banestado e agora mais três pela Lava Jato.

Pelo volume do operado em ambos os casos, há quem estranhe e considere as condenações de Youssef leves demais, mas se explica pelo fato de Youssef não ser banco. O Itaú, por exemplo, pagou pelo Banestado somente 1,6 milhão de Reais, ainda que a evasão de divisas propiciadas pelo processo de privatização que se estendeu de 1996 a 2002 tenha alcançado a ordem de 30 BILHÕES DE DÓLARES.

Por não ser banco, o único a quem Moro condenou a um ano de cadeia foi o Youssef. Já demais envolvidos como TV Globo, RBS, Silvio Santos, revista Veja e demais empresas da Editora Abril nem foram chamados a depor sobre soma estimada em cerca de 2 BILHÕES de reais.

No entanto a evasão de divisas pelo retorno de Dom João VI a Portugal não foi provocada pela derrota de Napoleão em Waterloo, conforme fazia crer a omissão das professoras sobre a Revolução do Porto.

A famosa Batalha de Waterloo foi em 1815 e a evolução do sistema judiciário português do sistema inquisitorial tal como o conhecemos e vivenciamos ainda hoje no Brasil, se deu em 1820, como aí se refere o eminente jurista britânico.

Não se pode dizer que João VI tenha sido tão moleque quanto o devasso do seu filho Pedro I ou o atual presidente do Brasil a inventar conversas com Putin que no dia seguinte o dirigente russo teve de desmentir para a comunidade das nações. Mas de toda forma também fez seu povo passar grande vergonha perante o mundo ao igualmente desonrar o cargo que ocupava, largando os portugueses nas unhas de Napoleão.

Aquilo foi um vexame internacional similar aos que hoje são expostos os evangélicos que elegem políticos como o sócio do Mixel Fora Temer, o Eduardo Cunha. Mas os portugueses não precisaram de denúncias da Suíça e desde o início da fuga, em 1807, se revoltaram com a entrega do país ao Império Britânico, como hoje José Serra entrega o Pré Sal para o imperialismo da British Petroleum entre outras multinacionais dos capitais mantenedores de guerras, terroristas e tiranos do Oriente Médio e da África.

Dez anos depois, em 1817, uma delação premiada apontou ao general nacionalista Gomes Freire de Andrade como líder de conspiração contra a Coroa. Com outros doze delatados, no dia 18 de outubro foi enforcado no Campo de Santana por condenação daquele sistema de tribunal de exceção criado durante a Santa Inquisição, no século XII da Idade Média.

Assim como o Ministério Público Federal, o Sérgio Moro e a Ministra Rosa Weber do STF, então a justiça portuguesa também não fazia questão de fundamentar investigações, prisões e condenações em provas. Quando não artifícios jurídicos de domínio de fato, apenas convicções eram suficientes.

Isso fez com que os portugueses se revoltassem e em 1818 o desembargador Manuel Fernandes Tomás lidera os juristas que formaram o Sinédrio do Porto.

Porto é a bela e segunda maior cidade de Portugal. Algo assim como o Rio de Janeiro para o Brasil. Mas o termo “sinédrio” tem origem bem anterior, lá na antiguidade bíblica, quando os hebreus que não acreditavam em literatura jurídica que desse direito de condenar sem provas, formaram seus supremos tribunais de justiça para haver justiça de verdade.

Diferentemente da maioria de milicanalhas que após o golpe de 1964 substituíram os antigos legalistas no comando das Forças Armadas Brasileira, honrados militares portugueses de então apoiaram o Sinédrio do Porto e, em 24 de agosto de 1820, tomaram o Poder Legislativo da cidade formando a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino que pretendia a realização de uma nova Corte ou Assembleia Constituinte.

Em 15 de Setembro de 1820, oficiais subalternos ligados à burguesia lisboeta e liderados pelo tenente Aurélio José de Moraes, uma espécie de Aécio Neves – apesar de que sem os mesmos modernos costumes pois ainda que Leonardo da Vinci já o houvesse previsto, todavia não tinham inventado o helicóptero –, depuseram o governo da Junta Provisional do Porto.

Mas daqui do Brasil, Dom João percebeu implícito nos acontecimentos de Portugal um golpe atrás do golpe, como ocorre em todos os movimentos ou processos golpistas. Inclusive o que Mixel Fora Temer assumiu ter resultado em sua tomada do cargo de presidente do Brasil.

Prevendo que com a desculpa de construção de “Ponte para Futuro” um decorativo qualquer poderia ajeitar uma “Pinguela para o Passado”, João VI passou o famoso recado ao filho, mais tarde D. Pedro I, aconselhando-o a que pusesse a coroa na cabeça antes que algum dos golpistas do Brasil de então o fizesse. E, em 1821, bem antes de Collor de Melo e FHC, esvaziou o tesouro nacional e foi pra’lém mares cuidar da própria cabeça e da própria coroa.

De fato conseguiu continuar equilibrando a coroa, mas desde então a justiça portuguesa teve de virar justiça de verdade, eliminando seus Torquemadas. E até hoje ali não tem isso de STF levantar a toga de medo, acovardado por camundongos de primeira instância. É STF mesmo!

Até se pode achar exagero ou mania de português levar o sentido das palavras ao pé da letra, entendendo que Supremo Tribunal tem de ser supremo de fato; mas o Sinédrio do Porto não deixou de provocar uma evolução na história jurídica do país. Tanto que onde executaram aqueles condenados por “convicções” de juízes e promotores públicos irresponsáveis e levianos com fatos e provas, ainda hoje tão negligenciadas também pelos olhos da mídia brasileira que não é nem um pouco cega, desde então deixou de ser chamado de Campo de Santana e até agora é o conhecido como Campo dos Mártires da Pátria.

É a isso que o Geoffey Robertson se refere quando explica ao mundo o que é que os brasileiros até hoje entendem como Justiça. E a explicação também serve para entendermos porque não temos interesse pela história do nosso passado que não passou e momento se estaciona na corte jurídica de Curitiba.

Se não isso, é porque o passado somos todos nós neste triste presente lamentado pelo Papa Francisco.

*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta. Mora em Florianópolis e é colaborador do “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Pouso Longo”.





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