domingo, 30 de outubro de 2016

Instinto assassino



* Por Aliene Coutinho


Finalmente, ele conseguira comprar o apartamento dos sonhos. Uma cobertura, três quartos, num prédio com piscina, academia de ginástica, sauna e... pombos, muitos pombos. Esse foi terror de Alexandre. Dormia e acordava com aquele arrulho todo no ouvido: gru, gru, gru. Um casal de pombinhos também escolhera o prédio como moradia e bem embaixo da janela do quarto, na caixa do ar condicionado. Fizeram um ninho aconchegante, onde recebiam convidados de todo Setor Sudoeste, era festa todo dia, barulho e sujeira. Uma farra que deixava Alexandre louco.

Uma semana insone e foi declarada guerra aos bichinhos. Ou eles se mudavam, ou Alexandre ia acabar perdendo o emprego. Dias e dias sem dormir e chegando atrasado, ninguém agüentava mais olhar para a cara de poucos amigos que ele fazia, sem falar nas olheiras que aumentavam gradativamente. Um dia, na hora do almoço, ele decidiu se armar contra a ofensiva constante. Comprou uma mangueira de 10 metros de comprimento. Chegou em casa, ligou a mangueira na torneira do banheiro  e com  metade do corpo fora da janela, mirou no ninho e mandou aquele jato que mais parecia o tsunami... foi uma loucura, pombo para tudo que é lado. Um alvoroço só...

Ele comemorou mais que vitória do Botafogo. Abriu uma garrafa de vinho e quando se preparava para dormir, eis que escuta de novo aquele barulho ensurdecedor. Subiu as escadas, se pendurou na janela e lá estavam  de volta o encarando, prontos para defender a qualquer custo o ninho construído. Ele desceu as escadas para observar de um outro ângulo, seriam os mesmos? Eram, não tinha dúvida. E o olhavam desafiadoramente...

Já era tarde, ele precisava tentar dormir. No dia seguinte, pensaria em outra estratégia. E assim foi. Desta vez ligou para o sobrinho e pediu um estilingue, em vez de pedras, azeitonas, e tome azeitonas nos pombos que saíram em revoada. Mais uma vitória. Infelizmente, passageira. Passadas algumas horas, o casal de pombinhos voltou. Quietinhos, arrumaram toda bagunça feita pelas balas de azeitona, colocaram galhos sobre galhos, pareciam fazer uma faxina, e como se não quisessem ser percebidos, naquela noite não fizeram barulho.

No outro dia, tudo voltou ao normal. Pelo menos para eles. Alexandre sentiu que a gastrite voltara depois de dois anos sem nenhuma crise, e claro, que a causa era os pombos. Desta vez, ele ia às últimas conseqüências. Comprou uma espingarda de chumbinho, e no meio da noite, disparou contra o ninho. Parecia um “serial killer”. Totalmente fora de controle, ele suava, pensava nas noites mal-dormidas e atirava, sem dó, nem piedade. Foi uma carnificina.

E finalmente naquela noite, ele dormiu. Acordou como há muito não fazia, bem-humorado, disposto. Na hora do café da manhã, a campainha da porta tocou. Levou um susto quando ao abrir a porta deu de cara com os fiscais do Ibama. Ele foi intimado a prestar depoimento, corre o risco de pagar multa e, se brincar, cumprir  alguma pena. Crime contra o meio-ambiente é inafiançável. E lá foi ele no caminho para a delegacia, se perguntando se aquela “praga” se enquadrava na lei. De uma coisa ele tinha certeza: pombo por ali, nunca mais.


* Jornalista e professora de Telejornalismo





Nenhum comentário:

Postar um comentário