sábado, 29 de outubro de 2016

Dylan e o Nobel de Literatura


* Por Clóvis Campêlo


Como diz Rita Lee, tudo vira bosta. Talvez essa máxima se aplique com adequação à notícia divulgada pela Academia Sueca. Pra que diabo Bob Dylan vai querer um prêmio desses? Em que é que isso vai enriquecer ainda mais a sua carreira musical, além, é claro dos 2,9 milhões de reais a serem pagos? Do mesmo modo que não quero entender, até hoje, porque os Beatles aceitaram o título de “sir” que lhes foi dado por uma Inglaterra ferozmente capitalista e, na época, envolvida com a Guerra escrota do Vietnã.

Dylan, com a cara atual de maracujá enrugado, começou a sua carreira fortemente influenciado pela cultura beatnik. Nascido no estado da Minnesota, em 1941, neto de emigrantes judeus russos, escolheu a música folk para lhe servir de base e veículo dos seus textos e poemas. Deu certo. Emigrou para Nova York, onde vive até hoje, e no bairro do Greenwich Village começou sua longa e profícua carreira de compositor. Dizem que a escolha pela música folk foi uma homenagem ao ídolo Woody Guhtrie. Nós, fãs da periferia, talvez não tenhamos conhecido o Woody, mas, no Festival de Woodstock, seu filho, Arlo, fez um relativo sucesso.

Mas, Dylan, que em seu nome artístico também homenageia outro poeta, Dylan Thomas, teve ressonância entre os descontentes da época por alertar aos seus contemporâneos, sempre de forma branda e poética, sobre os rumos dos novos tempos. Nunca foi, porém, um contestador do sistema. Nunca pregou revoluções. Aliás, chegou mesmo a homenagear o american way of life, ao declarar que mudava de nome por viver na terra da liberdade. Detestava, inclusive, a alcunha de compositor de músicas de protesto. Na verdade, um bom moço, o Dylan. Por isso, não foi a toa, que nos anos 70, Lennon afirmou em uma das suas músicas pós-Beatles que, entre outras coisas, não acreditava mais em Robert Zimmerman (o nome de batismo de Dylan).

Vejo agora na imprensa que Dylan, classificado pela Academia Sueca como arrogante e mal-educado por não se pronunciar sobre a premiação, corre o risco de não receber a dinheirama do prêmio. Seu silêncio, constrangedor para os cedentes, pode lhe custar os cifrões. Pelo regulamento, o premiado deve fazer palestra sobre a sua arte, no prazo máximo de seis meses a partir da concessão do Nobel. Ou até mesmo um show musical, admite a Academia. Mas ele continua mudo como um túmulo.

Ainda pelas regras da Academia cedente, a recusa do prêmio não será aceita. O recusante, no entanto, ficará privado do valor monetário a ser recebido. Consta que apenas Jean Paul-Sartre, em 1964, recusou o mimo. Anos depois, porém, diante das graves dificuldades financeiras que enfrentou, solicitou à Academia Sueca que lhe pagasse o valor devido, o que lhe foi negado. Sartre, talvez, tenha se arrependido, mas já era tarde.

Para mim, a Academia Sueca arriscou-se um grande golpe publicitário, aproveitando-se da fama de Dylan. Talvez ele tenha percebido esse intuito e tenha se reservado. Não sabemos até onde isso irá e qual a verdadeira importância dessa babaquice para o conturbado mundo moderno.

Portanto, que se fodam Dylan e o Nobel de Literatura!

Recife, outubro 2016

* Poeta, jornalista e radialista.


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