A condição feminina (ainda?)
* Por
Mara Narciso
Peguem suas pedras e
comecem a atirá-las. Pouco me importo com o julgamento de vocês. Prefiro que
gostem de mim, que concordem comigo, mas não ligo se não gostam, se discordam,
se acham que falo disparates. Quem lê essa opinião, pensa logo: feia, mal
amada, abandonada, frustrada, mal resolvida, e, possivelmente gorda. Um homem
resolveria o caso, ou talvez um psiquiatra. Os posicionamentos femininos mais
corajosos e contundentes são avaliados assim.
Em cada época e lugar,
a educação e o trato ao gênero feminino seguem regras específicas. São
mutantes, e podem dar saltos para lá e para cá. O certo e o errado podem se
inverter num dado espaço de tempo. Numa mesma cidade as classes sociais podem
se comportar de maneiras distintas, então, nada de datações.
Meninas são meigas,
suaves, femininas, cheirosas, sentam-se com as pernas fechadas, não emitem
gases, não cospem, não cutucam o nariz, não comem na rua, não gritam, não
correm, não esbarram, não caem, não devem ralar os joelhos nem arrumar
cicatrizes. Precisam brincar como meninas, sem gestos grosseiros, brigas, nem
lutas. Fala baixo! Coma com a boca fechada! Não seja bruta! Menina não fala
palavrão. Bato na sua boca se você repetir isso. Desastrada, parece um trator
de esteira. Seja mais delicada!
Nem fala ainda e
entregam-lhe um boneco de plástico, obrigando-a a fingir que aquilo é um neném.
Precisa treinar diariamente, para suportar o cargo de mãe que terá de exercer.
O projeto de vida consiste em arranjar marido, casar-se virgem, ter um lar,
cuidar da casa, ter filhos, dar o peito, limpar, conduzir o fogão, lavar e
passar, eternamente. Vaidade, apenas estar limpa! Liberdade, autonomia,
personalidade, pensamento independente, liberdade de escolha? Seu marido fará
tudo por você. Ganhar dinheiro? Não precisa, já tem o suficiente. Banco,
negócios, comprar carro, adquirir imóvel, enfrentar mecânicos, seguros,
aplicações financeiras? Esta lista será
um mistério intransponível. Não ocupe sua mente delicada com números. É preciso
estar fresca para receber seu marido com um sorriso e o jantar pronto.
É obrigação da mulher
aceitar seu marido, ainda que ele tenha estado com outra. A mulher honesta não
se insinua. Manifestar prazer no sexo é inaceitável. A relação sexual tem a
função de procriação, e a cada ano nasce outra criança.
Algumas mulheres são
freiras, outras se tornam professoras ou enfermeiras. Então, enfrentando
preconceito em diversas escalas e tons, por vezes debaixo de pancadas e lutas
variadas, vão se inserindo nos diversos setores. Porém desconsideradas, não
levadas a sério. Estão brincando de trabalhar, mas o movimento é irreversível.
O comportamento das
mulheres interfere na discriminação ou não do seu gênero, pois elas criam seus
filhos homens, e podem ensinar-lhes preconceito, de acordo como foram criadas.
Algumas nivelam as outras mulheres pelas suas próprias incapacidades. “Sou
incapaz, ela também será”. Está na Constituição que homens e mulheres têm
deveres e direitos iguais, mas persiste a discriminação. Não é preconceito, é
paranóia!?
Altos salários, cargos
de chefia, médica cirurgiã ganhar o mesmo que o cirurgião são miragens. O valor
da mulher é o mesmo do homem, porém o preço e a inteligência da mulher são
rebaixados. Um chefe que manifeste algum grau de incompetência, não será
ofendido em sua honra, analisado pela sua aparência, proeminência do seu
abdômen, cor do seu cabelo, sua idade, atividade sexual ou capacidade
intelectual. Mas a mulher, na mesma situação, terá sua sexualidade colocada em
cheque, levianamente a acusarão de ser amante da sua auxiliar, será chamada de
botijão, se estiver gorda, de autista, se possuir dificuldade de comunicação,
de velha, ainda que jovem, e mal-amada, mesmo que discreta e de vida pessoal
desconhecida. A um Presidente da República nada disso seria considerado diante
de erros administrativos. Com Dilma Rousseff sim. Sexismo com ódio.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Ideário político à parte - sua opinião nesse particular ficou implícita no texto - concordo com tudo.
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