Milenares mulheres inesquecíveis
A Bíblia faz referência a poucas mulheres. Por isso, as
citadas nominalmente, até por sua escassa menção, são difíceis de serem
esquecidas. Sem forçar muito a memória, algumas vêm, de imediato, à lembrança,
quando o assunto vem á baila, como é o caso, por exemplo, de Eva, identificada,
possivelmente de maneira metafórica, como a “mãe” da espécie humana. Ou como
Sara, progenitora dos hebreus. Ou como sua escrava egípcia Agar, de quem
descenderiam os árabes. Não é preciso pensar muito e nem ser expert nos textos
bíblicos para se lembrar dessas mulheres.
Claro, elas não são as únicas. A mulher de Ló – a que foi
transformada em estátua de sal, ao não atender à recomendação de não olhar para
trás, quando ela e a família deixavam a área de Sodoma e Gomorra, destruídas
por causa da corrupção de seus habitantes – é, não somente lembrada, mas tem inspirado
até vários textos literários, em verso e em prosa, abordando sua imprudência,
ou desobediência, ao longo do tempo. Eu mesmo já escrevi um poema tendo-a como
figura central.
Outra mulher, citada na Bíblia, e que volta e meia é
lembrada, é Raquel. O poeta português, Luiz Vaz de Camões, escreveu belíssimo
soneto a seu propósito Ela é descrita na
Bíblia como moça de imensa beleza e de incontáveis virtudes, por quem o
patriarca Jacó se apaixonou perdidamente. A tal ponto, que se dispôs a encarar
os maiores sacrifícios para tê-la por companheira. Tanto, que trabalhou catorze
anos para Labão, como servo não remunerado, apenas para ter o direito de
desposá-la, conforme costume da época. Na verdade, foi enganado.
O trato era trabalhar somente sete anos. Mas o sogro, astuto
e matreiro, tapeou-o direitinho. Ao cabo dos sete anos de trabalho combinados,
deu-lhe, sim, uma de suas filhas por esposa, mas não a que Jacó queria. Concedeu-lhe,
na verdade, Lia, por quem o patriarca hebreu não estava apaixonado. Este,
todavia, inconformado com o logro, aceitou trabalhar outros sete anos, nas
mesmas condições anteriores, para, finalmente, obter Raquel por esposa. E conseguiu.
O amor... ah, o amor! O que não se faz por ele! Outras mulheres citadas na
Bíblia, de que me lembro, sem sequer forçar a memória, são Jezebel, Salomé,
Esther e... Judite.
Esta última chama-me, em particular, a atenção. Nomeia,
inclusive, um dos livros deuterocanônicos do Velho Testamento da versão
católica desta obra tão fundamental. Em seus 16 capítulos, narra como “uma
piedosa viúva saiu da cidade em que morava, que estava sitiada por poderosas forças
militares inimigas, e se dirigiu ao acampamento do exército agressor, na tentativa
de fazer o que achava certo, e possível, para livrar seu povo de um iminente
massacre. Com sua beleza, envolveu o comandante inimigo, Holofernes, que se
embriagou durante um banquete, prevendo uma noite tórrida de amor, e teve a
cabeça cortada por Judite, que não pensou em momento algum nos riscos que
correria e nem nas conseqüências do seu ato”.
Essa narrativa gera, ainda hoje, controvérsias sem fim entre
especialistas bíblicos. Uma corrente garante que se trata de mera história
fictícia, uma espécie de romance da Antiguidade, composta com a finalidade
específica de estimular o povo hebreu a resistir aos invasores e a lutar, para
garantir a sobrevivência do seu Estado. Outra facção, todavia, afirma e insiste
que esse livro, considerado apócrifo por algumas correntes religiosas, é relato
fiel e verdadeiro de um acontecimento real. Portanto, seria histórico. Quem
defende essa tese afirma que Judite não apenas existiu, mas não relutou em
momento algum em arriscar a vida pelo bem do seu povo. Não porei minha mão
“nessa cumbuca”, até porque essa não é minha especialidade. Mas seja como for,
não deixa de ser uma história com profundíssimas lições a nos ensinar.
Há quem conteste o valor literário da Bíblia. Quem o faz,
contudo, ou não a leu jamais ou, se a leu, não foi com a atenção que deveria.
Não se trata, a rigor, de um único livro, como alguns desavisados a tratam, mas
de toda uma biblioteca, posto que “compacta”, com obras de vários estilos e
naturezas: de História do povo judeu, de poesia (os Cantares de Salomão), de
filosofia (Provérbios), além de suas incomparáveis mensagens de formação espiritual.
Abstraindo seu caráter sagrado (no qual acredito), posso assegurar, sem receio
de engano, que não há nenhuma coleção de livros, de passado tão remoto, que
sequer se lhe compare em importância, variedade e sabedoria. Não se restringe,
como alguns pensam, a determinada religião específica, mas se trata da maior
obra-prima literária já produzida pelo homem, precioso patrimônio da
humanidade, que sobrevive, há milênios, resistindo ao surgimento e ao ocaso de
inúmeras civilizações.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Quando iria começar a série de mulheres inesquecíveis, sugeri Eva e vejo agora que foi esquecida Maria.
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