A política
* Por
João Luís Alves
A política vos acenará
com as glórias da tribuna parlamentar e dos serviços prestados à pátria no seu
governo, mas para conquistá-las, não vos iludais, amargos serão os dias de
luta, tristes os desenganos, muitas as perfídias. As ambições contrariadas
criarão obstáculos às vossas mais puras intenções e criarão obstáculos às
vossas mais puras intenções e as próprias paixões populares levantarão barreiras
aos vossos atos mais sinceramente patrióticos...
Talvez vos lembreis
então dos versos de Musset:
"La politique,
hélas, voilà notre misère,
Mes meilleurs ennemis
me conseillent d’en faire."
Quer isso dizer que
deveis evitar a carreira política?
Não vos daria tal
conselho, não só porque - mais do que Ernesto Rénan, je suis peu qualifié pour
cela, como porque não quero ver despontar em vossos lábios um sorriso de
ironia...
Demais, acredito com
Thulie que a política não é um direito, é um dever, e penso com Eugène Véron,
que "não fazer política quando se é cidadão, é faltar ao primeiro, ao mais
absoluto de seus deveres, por isso que a política representa os interesses mais
elevados e mais gerais da sociedade."
Se a carreira política
vos solicitar, lembrai-vos do conselho de Rénan: jamais acrediteis que sois
necessários à pátria; basta que lhe possais ser sempre úteis.
Uma virtude não vos
faltará, com desvanecimento o afirmo, e é a da incorruptibilidade que, no dizer
de Tarde, é a virtude profissional do homem político.
Couraçados por ela
contra as surpresas e sofrimentos da vida política, grandes e inesquecíveis
serviços espera a pátria de vós.
A República conta com
as gerações novas - que a venham servir com patriotismo e competência.
Não creio nos perigos
que os profetas da desgraça anunciam contra a sua existência.
Acredito, porém, que é
necessário todo o nosso empenho para que frutifique beneficamente o regímen
republicano federativo.
Eu já disse algures
que é na vivificação da Constituição de 24 de fevereiro, pelas leis orgânicas e
complementares, que desenvolvam os princípios por ela consagrados, que está a
maior obra que o país reclama para o completo funcionamento do regímen
republicano.
Defender a integridade
do país, pela boa prática da federação, pela unidade do direito nacional, pela
igualdade das leis fiscais; assegurar a autonomia dos Estados por uma leal
regulamentação da faculdade interventora da União e por uma honesta aplicação
da descriminação de rendas já feita; manter os direitos individuais e a ordem
pública por um código penal que satisfaça às necessidades da nossa civilização;
transformar em realidade a tentativa de Teixeira de Freitas, de Nabuco e de
Felício dos Santos, já hoje mais próxima pela obra de Coelho Rodrigues e de
Clóvis Beviláquia, dotando-nos com um Código Civil que corresponda aos
progressos da sociedade brasileira, nas suas relações jurídicas privadas; fazer
do voto uma realidade eficaz na direção geral dos públicos negócios; esses e
tantos outros problemas vitais para a República aí estão a desafiar, no campo
da política, tomada na sua acepção elevada e nobre, a vossa competência, o
vosso patriotismo e o vosso estudo.
Se é com esses ideais
que a política vos atrai, desde já vos auguro glórias imorredouras e triunfos
certos.
Mas, lembrai-vos da
advertência de Cormenin, o cáustico Timon: "Lembrai-vos de vossas leis vão
fazer a felicidade ou a desgraça do povo, protegê-lo ou oprimi-lo, moralizá-lo
ou corrompê-lo."
No curso de ciência da
administração que juntos fizemos, e cujo estudo mais aprofundado ser-vos-á
necessário na carreira política, acredito que deixamos esboçada, em linhas
gerais, a função do Estado e, conseguintemente, traçada a ação dos homens
políticos.
Nesta hora de
despedidas, ainda vos pedirei, em bem da pátria comum, que fugindo dos escolhos
do Estado - providência que não só matará as energias vitais da nossa atividade
social e da iniciativa privada, sempre fecunda, como produzirá excessos
tributários e desastres financeiros, eviteis também o Estado-policial, que não
preencherá a sua missão de órgão supremo do desenvolvimento e do progresso da
nossa jovem nacionalidade.
A utilidade e bondade
dos vossos serviços à pátria se patentearão se na ação política que porventura
vos for dado exercer "deixardes de parte o doutrinarismo econômico,
jurídico e político e encarardes a realidade das cousas sociais" do nosso
país.
Qualquer que seja,
porém, o vosso destino, como juiz, como advogado, como político, o problema
sempre posto ao vosso espírito será o problema do Direito.
Aqui aprendestes a
estudá-lo conosco; na vida pública tereis de estudá-lo nos conflitos sociais
que ele é chamado a derimir, como condição de coexistência entre os homens e
entre os povos.
Vê-lo-eis despido do
caráter especulativo que aqui lhe notastes e encontrá-lo-eis como força
propulsora da civilização humana, de que ele é, ao mesmo tempo, produto e
fator.
Juiz aplicai essa
força com os temperamentos da eqüidade; advogado invocai-a com lealdade e
sinceridade; político estabelecei-a, sem idéias doutrinárias preconcebidas,
auscultando as necessidades do meio social e do momento histórico, se não
quiserdes transformá-la em instrumento de anarquia ou vê-la, como letra morta,
repelida pela consciência nacional.
(Discurso, 1902.)
*
Jurista e político, membro da Academia Brasileira de Letras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário