A mãe de minha mulher
* Por Ruth Barros
Em mais uma prova de que o amor é mesmo
lindo, Anabel vai contar o caso de uma amiga, casada com outra mulher há 26
anos – imaginem quantos casais hetero que vocês conhecem que chegaram a fazer bodas
de prata – e que se prepara para receber a sogra em casa por um longo período.
Achei o relato dela uma prova de tal carinho e tolerância que vou reproduzi-lo
aos escassos e fiéis leitores tal qual o ouvi:
- Minha sogra desfez a própria casa há
pouco tempo, dada a idade avançada, e está fazendo rodízio pela casa dos
filhos. Está deprimida, sentindo-se inútil, pela primeira vez não fez as festas
de fim de ano, Natal, essas coisas. Além de o estado de espírito dela ser dos
piores, pois repete que a única coisa que espera é a morte, ela ainda é
daquelas do tempo antigo, cheia de cerimônia, que não abre a geladeira da casa
dos outros, esperando sempre ser servida, o que é mais uma complicação. Eu
trabalho fora o dia inteiro e minha mulher, que é advogada, tem escritório em
casa, dá pra imaginar a confusão?
Achei realmente atrapalhado, mas isso
ainda não era o fim do livro, conforme continuou minha amiga:
- Com a depressão e a idade poucas
coisas a interessam para uma conversa, entre elas estão as próprias doenças e
as novelas, que ela ama discutir, saber o que aconteceu, enfim, os personagens
são mais próximos dela que a maioria das pessoas que conheceu pela vida afora.
Acontece que não vejo novela por absoluta falta de tempo e minha mulher muito
menos, por absoluta falta de saco. (Aparte da escriba: sem trocadilhos, por
favor, amados leitores). Estamos meio atrapalhadas, mas tenho certeza de que
poderemos resolver juntas o caso, mesmo porque tudo que a mãe dela precisa
agora é um pouco de cuidado e atenção, e a isso estamos dispostas. E se a
família ajudar vamos montar um esquema de ela ir vivendo seis meses na casa de
um, seis meses na casa de outro, vamos nos ajeitando.
Nessa
altura do campeonato não contive a curiosidade que habita minha alma xereta e
jornalística e perguntei:
- Mas o fato de vocês serem um casal
gay não perturba a mãe dela, que você diz ser tão tradicional?
Minha amiga riu:
- Acredite se quiser, ela tem outros
quatro filhos heteros e toda vez que arruma discussão com um deles ou com as famílias
diz que nenhum deles soube escolher marido ou esposa, que a única bem casada é
a minha mulher!
Anabel Serranegra espera de todo
coração que esse exemplo de tolerância e boa convivência contagie outras
famílias
* Maria Ruth de Moraes e Barros,
formada em Jornalismo pela UFMG, começou carreira em Paris, em 1983, como
correspondente do Estado de Minas, enquanto estudava Literatura Francesa. De
volta ao Brasil trabalhou em São Paulo na Folha, no Estado, TV Globo, TV
Bandeirantes e Jornal da Tarde. Foi assessora de imprensa do Teatro Municipal e
autora da coluna Diário da Perua, publicada pelo Estado de Minas e pela revista
Flash, com o pseudônimo de Anabel Serranegra.
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