Maldade sem limites
A maldade tem limites? Em caso afirmativo, quais eles são?
Há, ainda, algo de sumamente perverso, feroz e absurdo que um ser humano não
tenha praticado contra outro, desde que nossa espécie surgiu no Planeta? Numa
rápida reflexão sobre guerras, escravidão, preconceitos e toda e qualquer
espécie de violência que caracteriza a história do homem, não reluto em
responder: não! Não, não há limites para a maldade. Só não posso garantir que
toda ela, em suas múltiplas manifestações, já se esgotou no coração e na mente
desse perigoso animal que raciocina. Nunca se sabe.
A data de 27 de janeiro de 1945 é particularmente reveladora
no que diz respeito a essa questão. Nela, começou a ser revelado ao mundo – que
relutou em crer que fosse verdade (e muitos não crêem até hoje) – um dos mais
hediondos, covardes e insanos crimes já cometidos contra a humanidade. Foi num
dia como este, há exatos 70 anos, que as tropas soviéticas, do Exército
Vermelho, libertaram o campo de concentração nazista de Auschwitz-Birkenau,
localizado na atual Polônia. Foi só então que começou a vir a público o que
muitos suspeitavam, mas duvidavam da própria suspeita, tão horrível foi o que
se passou ali.
Naquela localidade bucólica foi instalada gigantesca “indústria
da morte”. Não se trata de metáfora ou coisa parecida. Foi real. Foi uma coisa
tão insana que, se não houvesse provas, seria impossível de se acreditar que
tenha existido. Mentes sumamente doentias, degeneradas pelo fanatismo e pelo
preconceito, conceberam matança metódica, constante, organizada, como se fosse
fábrica de salsichas, ou seja lá do que for. Destinava-se, no entanto, a matar
não outros animais (frangos, porcos, reses etc.), mas... pessoas. E mais: em
escala industrial, com a subsequente eliminação dos vestígios dessa surreal
carnificina. No complexo de Auschwitz-Birkenau foram eliminados, em câmaras de
gás construídas para esse fim, por baixo, por baixo, um milhão de seres humanos:
adultos, crianças, bebês, velhos e mulheres. Em suma, pessoas! Para se livrar
de tantos cadáveres, os monstros que planejaram e executaram essa inacreditável
chacina, cremaram esses corpos, em esquema, reitero, metódico, organizado e
industrial, e espalharam as cinzas nos arredores, sobretudo em um lago das
proximidades.
O auge, do que passou para a história com a denominação de
Holocausto foi o ano de 1944. Nessa ocasião, eram assassinadas, metódica e
industrialmente, seis mil pessoas por dia, a imensa maioria judeus, mas também
ciganos, deficientes físicos e mentais, comunistas e outros tantos indivíduos
que desgostavam o regime nazista, que os considerava “inferiores” e, por isso (em
suas mentes ensandecidas), deveriam ser eliminadas, em nome de uma pretensa (e
absurda) “pureza racial”. E achavam isso justificável e “normal”!!! Confesso
que relutei muito em fazer este registro – que faço nu e cru, sem retoques e sem
preocupação com estilo – tamanhos são o asco e o horror que essa ação insana me
causa só de pensar que aconteceu e que envolveu outros tantos campos de
concentração, embora não tão organizados como Auschwitz-Birkenau.
A libertação desse gigantesco e surreal “corredor da morte”
tem que ser sempre lembrada, até para que loucura como esta não venha a se
repetir. Os meios de comunicação, todavia, omitem-se hoje a propósito. Uma
pena! Tenho minhas dúvidas que tamanha insanidade não esteja se repetindo, e
quem sabe com carga mais terrível de covardia e crueldade, em alguma parte
qualquer do mundo. Afinal, mesmo depois de libertado o campo de Auschwitz e do
testemunho de milhares de sobreviventes sobre os horrores que viram, milhões de
pessoas relutaram em acreditar que tudo aquilo ocorreu. Certamente deve ter
sido muito pior do que consigo relatar. Quem pode jurar que algo semelhante,
talvez em proporções menores, mas com o mesmo grau de virulência e de
menosprezo à vida, não esteja acontecendo agora, neste instante, em algum dos
tantos grotões esquecidos da Terra, na Síria, no Iraque, no Afeganistão ou
sabe-se lá onde? Eu não ponho minha mão no fogo.
O fanatismo cega as pessoas e faz com que percam a
perspectiva, a ética, a moral e a noção do certo e errado. Foram seres humanos,
como cada um de nós, mortais e efêmeros como suas indefesas vítimas, que
cometeram estas e tantas outras atrocidades. Nenhum desses monstros era
imortal. Ninguém é! Como puderam colocar fantasias de poder, ideologias que não
resistem à mínima análise, ambições estúpidas e sem sentido, acima da grandeza
e transcendência da vida?!!! Pois é, mas colocaram. E muitos, certamente,
colocariam hoje, em circunstâncias e contexto parecidos.
Concordo com Theodore Adorno ao declarar que “após Auschwitz
não pode haver poesia”. E não pode mesmo. Nenhum escritor, perito em histórias
de crueldade e horror, já conseguiu, consegue ou conseguirá sequer se aproximar
remotamente da crueldade disso que de fato aconteceu e que começou a ser
revelado para o mundo há exatos setenta anos. Embora não tenha escrito com esse
fim, o poema “Tempos sombrios”, de Berthold Brech, cabe razoavelmente neste
caso, porquanto diz:
“Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem
rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes,
pois implica em silenciar
sobre tantos horrores”.
Pois é, Brecht tem razão. “Realmente, vivemos tempos
sombrios!” Deus que nos livre de novos “Holocaustos”!!!!
Boa leitura.
O Editor.
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Sempre haverá uma nova modalidade de atos crueis. A criatividade humana para torturar, mutilar, humilhar e matar jamais atingirá o limite. Sempre haverá mais e mais.
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